sábado, 18 de agosto de 2007

The Simpsons movie


Alguns ícones culturais alcançam um estágio de credibilidade e qualidade tão elevados que eles podem simplesmente 'jogar com a camisa', sem ter a pressão de lançar uma obra prima após a outra. Nessa fase já não importa tanto o que foi feito, mas sob qual grife. Rolling Stones, Paul McCartney, Francis Ford Coppola e, claro, os Simpsons são alguns exemplares desse seleto grupo. Qualquer lançamento que estiver associado a esses nomes será um sucesso. Como tive o caráter e o senso de humor moldados pelo desenho, elogiar "The Simpsons Movie" e fazer o máximo possível de propaganda positiva é, pra mim, pagar uma dívida de gratidão.

Fui assistir à estréia com certa apreensão pela imensa propaganda criada para o longa, que já havia sido anunciado desde 1998. Afinal, quanto maior a expectativa, maior tende a ser a decepção. Mas logo na primeira cena, uma brilhante auto-referência. Durante a projeção de um filme do Comichão e Coçadinha, Homer se levanta e pergunta: "Por que pagar pra ver um desenho que podemos ver de graça na televisão?" Primeiro, porque não se vê na televisão um episódio de 90 minutos e segundo, porque a mistura de animação 3d com desenhos feitos à mão deu um visual muito bacana. Aliás, os coreanos que fizeram a animação do filme e que também são responsáveis pela animação dos episódios devem ser os últimos desenhistas old fashion do mundo, desses que ainda desenham no papel. Além disso, a versão cinematográfica possibilita certas ousadias imposíveis na televisão.


Nos primeiros anos dos Simpsons, as histórias eram verossímeis e as ironias mais sutis. Os personagens eram contidos e os episódios giravam em torno dos conflitos familiares. Ao longo dos anos, os bons roteiros foram naturalmente se esgotando e o desenho mudou um pouco de rumo para continuar no ar: A idiotice do Homer se tornou escatológica e o aparecimento de celebridades virou uma constante. O que era um acessório de luxo nos primeiros programas, virou a regra das últimas temporadas. Apesar de ter caminhado para um humor mais 'fácil', algumas características antigas se mantiveram. As instituições falidas e corruptas (escola, igreja, política, polícia etc), que sempre foram fonte pra excelentes piadas, continuam rendendo tiradas memoráveis.

Tudo isso pra dizer que o filme pareceu ser produzido pra agradar a gregos e troianos, o que quase sempre não é bom sinal. Como nenhum outro programa, os Simpsons tem fãs em todas as classes sociais e intelectuais e cada um tem seus motivos para gostar do desenho. Por isso, o desafio de fazer um bom filme sobre a série era tão grande. Sem contar que para a versão cinematográfica é preciso criar uma história que seja inteligível pra quem nunca assistiu a um espisódio. Concessões feitas para atingir um público maior geralmente resultam em produtos vazios e descartáveis. Felizmente não foi o caso. Apesar do roteiro abandonar um pouco o cotidiano banal da família (que sempre foi minha parte favorita nos episódios) para investir na ação, o filme tem piadas tão inspiradas que fazem valer cada centavo pago (como a já clássica cena das pessoas que, com medo da morte que parece iminente, fogem da igreja para o bar enquanto os bêbados correm pra igreja). As imagens repletas de referências à obras de arte, livros e filmes com certeza vão transformar o filme em um objeto cult e fazer com que o DVD seja um sucesso de vendas. Matt Groening correu o sério risco de jogar na lama uma história de quase 20 anos de sucesso, mas conseguiu realizar dignamente o sonho de colocar os Simpsons na telona. Se não foi brilhante como de costume, os Simpsons ficou acimda da média, como sempre. Shrek, South Park e outros filhotes da série vão ter que esperar um bom tempo até que o ogro amarelo Homer perca a majestade.


Pedro Grossi