segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Que venham os próximos 10

A década acabou e os dedos coçam pra escrever sentenças definitivas que em pouco tempo vão soar como grandes tolices. A falta de personalidade dos últimos dez anos é tanta que até hoje não sei como chamar o período: década de 00’s? Década de 2000? Enfim, no ócio nem tão criativo de um plantão compulsório de fim de ano lanço minhas bobagens definitivistas.

Musicalmente acho que os anos 00’s (pelo menos na escrita, essa terminologia soa menos estranha) foram uma incógnita kitsch. A cada período de três anos uma década voltou em revival. Da breguice dos anos 80 à crueza do rock setentista, passando pelo soul/jazz dos anos 60. No Brasil, mais do mesmo. Nada de muito original a não ser sangue novo em algumas vertentes do jazz/samba nacional e uma ou outra banda independente com um pouco mais de talento e criatividade. No maisntream, o Emocore chegou e já foi – sem deixar saudades – deixando como legado um grupelho de bandas quase irrelevantes e punhados de adolescentes com cabelo de chapinha e ar tristonho. A morte anunciada dos intermediadores da produção musical (gravadoras) e do suporte físico das músicas (CDs) fez voltar à moda as grandes turnês de encher estádios. Mas um desses megahows acabou de véspera. O maior artista pop de todos os tempos, quem praticamente cunhou o conceito de megashow, como espetáculo visual e sonoro, morreu antes da última performance.

No cinema, a década das trilogias e septo (octo)logias consolidou a febre das adaptações. Grandes histórias infanto-juvenis de fantasia se tornaram tecnicamente viáveis e comercialmente irresistíveis. Bruxos, elfos e vampiros renderam filmes que arrebataram plateias e garantiram lucros astronômicos aos estúdios, que chegaram a estar temerosos com a popularização dos DVDs, hometeathers e torrents. (Bons) Roteiros originais se tornaram raridade e a não-valorização dessa profissão rendeu uma greve da categoria. Atrasos nos lançamentos e milhões de dólares de prejuízos. A Indústria não demorou a se recuperar. Pela primeira vez na história, o mercado americano de cinema bateu, em 2009, a barreira dos US$ 10 bi. No apagar das luzes de 00’s, uma tecnologia aperfeiçoada ao ponto de garantir a hegemonia do cinema sobre as mídias ‘caseiras’: o 3D, que pode fazer com que James Cameron conquiste o recorde de bilheteria de... James Cameron.

Enquanto a TV aberta se rendeu aos apelos fáceis dos reality shows, a TV fechada deu um grande salto de qualidade. Os sitcoms deram lugar a séries caras e extremamente bem produzidas. Sopranos, Damages, House e Lost decretaram uma nova era de excelência na TV americana, quando prognósticos errados desaconselhavam grandes investimentos em dramaturgia, já que a fidelidade aos canais de TV tendia – e tende - a diminuir.

Na esfera digamos ‘social’, o mundo se voltou para a virtualidade. As redes sociais determinaram uma nova maneira de interação. Muitos contatos, poucos amigos. A informação foi horizontalizada e fragmentada ao máximo de 160 caracteres. Tudo virou pílula. Estímulo. O lugar em que tudo pode ser dito anonimamente. E impunemente. Uma faca com vários ‘legumes’. Mas são apenas breves ilações anti-tédio. Até a década de 10 (?) tudo isso já será página virada. Ou arquivo morto, como queiram.


Pedro Grossi

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Bom velhinho, bom filho

Meses atrás falei sobre o retorno de Schumacher no lugar de Massa - planos frustrados por problemas físicos. Pois bem, hoje caiu a “bomba”. A confirmação do que todos já sabiam: ele voltou. Foi apresentado pela nova Brawn, a Mercedes, montadora diretamente envolvida em sua estreia na Fórmula 1, na Jordan, em 91. Assinou por três temporadas.

Falem o que quiser. Após três anos de aposentadoria arrependida, o cara pode. Button, desgostoso com o que pediu e não recebeu para renovar com a equipe, falou sobre risco de reputação. Despeito. Nem se, num momento “meu novo companheiro de equipe”, Schumy saísse nu pelas ruas de Berlin cantando “I Am What I Am”, seu nome seria tisnado.

Ele está tirando espaço dos mais jovens com a brincadeira, diriam alguns. Pode ser. Mas, sinceramente, em uma temporada de 26 carros, a mais povoada em 15 anos, você prefere um pagante genérico, uma promessa padrão, um filho de campeão, ou um fora de série consagrado? Fico com a última alternativa. Ecclestone, com certeza, também. Se o chefe da FOM não está sorrindo de orelha a orelha, tem a segurança de que a temporada promete, e na linguagem que ele conhece tão bem, a das cifras.

Prestes a completar 41, o alemão será o chamariz e vai se divertir com os velhos amigos, estejam certos. É um ano que tem tudo para ser divertido. Teremos o fim do reabastecimento e a promessa de mais brigas na pista e treinos mais interessantes. Ou seja, menos tática e mais corrida. Teremos também Alonso na Ferrari, a reencarnação da Lotus, a estreia de outras três equipes, do primeiro-sobrinho, dos bons Di Grassi e Hülkenberg. E, quem sabe, a chance de ver enfim um japonês competitivo (será, Kobayashi?).

Como se não bastasse tudo isso, não me lembro de ter contado tantos postulantes a um título. Além do hepta que, sim, correrá para ser campeão, mais cinco pilotos têm condições de levar (dois pela primeira vez), caso tenham carro: Button, Hamilton, Massa, Alonso e Vettel. E poderiam ser seis, com Kimi, limado na dança dos cockpits. Não permanentemente, espero.

Como escrevi aqui há pouco mais de um ano, que 2010 chegue amanhã.

domingo, 15 de novembro de 2009

Them Crooked Vultures

Admito. Por algum tempo o Queens of the Stone Age foi, pra mim, apenas a banda do peladão no Rock In Rio. O Foo Fighters era uma tentativa de sobrevida de um baterista eternamente marcado por sua passagem pelo Nirvana. E, para qualquer integrante do Led Zeppelin, o descanso nos louros do sucesso era não só permitido como aconselhável. Errei feio. Não só o Foo Fighters é uma grande banda como o Dave Grohl, vejam só, é um grande músico. A criatividade e força escassos no rock atual, sobram no Queens of the Stone Age. E John Paul Jones ainda é capaz de acrescentar algo mais em seu currículo zeppeliano.

Com tantas referências e potenciais demônios do passado prontos para atormentar não deve ter sido fácil a iniciativa de formar um "power trio dos sonhos". Mas embora Josh Homme, Dave Grohl e John Paul Jones não tivessem a intenção de refazer ou 'releiturar' velhas fórmulas consagradas é,felizmente, possível pinçar boas referências de todos os trabalhos anteriores. O que não é pouca coisa. É, inclusive, das coisas mais bacanas dos últimos anos.

Them Crooked Vultures.



Pedro Grossi

terça-feira, 29 de setembro de 2009

Carta de apresentação

Prezado Renôt, bom dia,

Face os recentes incidentes envolvendo essa nobre escuderia, gostaria de me candidatar à recém-aberta vaga de chefe de equipe. Além de senso de oportunidade (quantas pessoas tiveram a sacada de se candidatar à vaga?), de profissionalismo (sou torcedor da Ferrari e tenho certeza de que farei um inesquecível trabalho com vocês) e humildade, tenho outras maravilhosas características que me credenciam ao cargo. Peço licença para listar alguns poucos e ilustrativos episódios e minhas qualificações profissionais que referendam essas afirmações.

Sou graduado em um renomado curso técnico de informática prática, o que me dá um susbtrato interessante para entender – e ajudar a melhorar – as questões técnicas e aerodinâmicas dos carros com que vamos trabalhar. Afinal, se posso montar e desmontar um computador, porque seria diferente com esses carros? Tenho também no meu currículo a presença em dois importantes grandes prêmios realizados no belo circuito de Interlagos. Em um deles, fiquei bem perto dos boxes e percebi que aquele ambiente era onde eu me sentia melhor. Como meu psicólogo, e melhor amigo, me provou por A + B, devemos nos desenvolver onde nos sentimos bem e como autoconfiança é a chave do sucesso, já falo como se o cargo estivesse no papo. Tenho atuação destacada em duas feiras Inforuso, onde as maiores novidades da tecnologia, como o laser disc, o HDDVD e o vídeo beta foram apresentados pela primeira vez. Todos com a minha incontida empolgação de receptivo voluntário da feira e de testemunha ocular da história.

A vocação de estar sempre na vanguarda dos acontecimentos começou na infância quando, antes do assunto estampar as capas dos jornais, eu já promovia a inclusão social. Meu primeiro agenciado foi um vizinho negro e cego que, em seu carrinho de rolimã, voava como o vento. Pena que sua brilhante carreira tenha acabado precocemente nas rodas de um caminhão, depois que dei ordens pelo walkie talkie para que ele continuasse veloz em uma emocionante corrida que os meninos do bairro disputavam na via Dutra. Hoje ganho a vida prestando consultoria para jovens talentos, muitos dos quais se tornam adultos de enorme sucesso. Fico cheio de orgulho quando vejo que antigos agenciados povoam as mais importantes salas e gabinetes do Brasil. Um deles, apenas para citar um exemplo, é figura fácil no prédio do Senado, onde tem o importante cargo de operador de chapa na gráfica da instituição. É com parte do salário dele que cultivo os meus mais nobres sonhos. Um deles é criar na periferia paulistana uma escolinha de Fórmula 1 para crianças carentes. Por enquanto temos só as crianças carentes e estamos tentando junto à prefeitura a cessão de um terreno, que hoje, margeia um belo rio.

Sou fluente em inglês básico e domino vários outros indioma, como o paraguaio e o africano (ainda não conheço a África, mas os negros daqui não podem falar muito diferente dos de lá, não é mesmo?). Acho que esta oportunidade será importante para ambas as duas partes e poderemos desenvolver vários projetos juntos. A ética e humanidade com que o senhor, seu Renôt, sempre dirigiu sua escuderia me fascinam e me fazem querer, um dia, ser tão brilhante e importante para a humanidade. Tenho plena certeza de que essa é a minha missão na terra. Certo de que nos veremos em breve, deixo aqui o meu até logo.

Deusde já, agradeço.

Atenciosamente,

Flávio


Pedro Grossi

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Amor e ódio


De um lado um assunto que é sinônimo de passionalidade e de outro uma instituição que se alimenta de fatos; relatados, amplificados e, preferimos acreditar, em uma dimensão menor, inventados. Mais do que gols, passes e conquistas a imprensa esportiva, sobretudo a que trata o dia-a-dia do futebol, precisa também de polêmicas. É assim que o circo funciona e é isso que sustenta esse mercado de entretenimento. Exatamente por ser um mercado tão grande e lucrativo ele é rico em aparências, discursos prontos e lugares-comuns. Assim como na bolsa de valores, uma simples declaração mal dada pode significar prejuízos milionários ou ganhos inesperados. Por isso, é tudo tão medido e calculado.


Ações robotizadas e insossas não são exclusividade do mundo do futebol. Muito pelo contrário. São quase uma regra social. Quase. Nos últimos dias, Kléber provou que suas falas não são escritas por assessores de imprensa. Ele, de fato, fala o que pensa. O que não significa, e que fique claro desde já, que ele tenha razão em tudo o que diga. Significa, sim, que ele tem de arcar com as consequências do que fala. Ser autêntico não lhe dá imunidade. A sequência de episódios recentes envolvendo o jogador e o Cruzeiro mostra que ele é um cara, de fato, autêntico, mas também imaturo.

Como torcedor do Cruzeiro, não vejo o menor problema dele visitar, tirar fotos, beber e jogar pelada com torcedores adversários. Ainda que às vésperas de um jogo exatamente contra o time visitado. A imprensa, em busca de polêmica, amplificou o fato. A mesma imprensa que seguidamente bate na tecla da tolerância e cordialidade entre torcedores adversários. Não vejo problema, porque o Kléber que deve satisfações a nós, torcedores do Cruzeiro, é o jogador que entra em campo. O outro Kléber, o chamado ‘ser-humano’ - como se o que entra em campo fosse de outra espécie - tem o direito de fazer o que quiser. E foi o Kléber jogador, autêntico e verdadeiro, que, com o perdão do trocadilho, pisou na bola. Não porque tenha acenado para os torcedores adversários, mas porque declarou não aceitar as vaias dos torcedores do seu próprio time. Considerou desrespeito. As vaias não são desrespeito. Pessoalmente, as considero deselegantes, mas não desrespeitosas. São a maneira legítima que o torcedor/espectador/consumidor/cliente tem para se manifestar. Logicamente não é agradável para quem escuta, como não é agradável para o torcedor ver o time perder um jogo. Faz parte do pacote. Está dentro do ônus e do bônus de quem resolveu se envolver nesse meio.

É quando diz que não aceita as vaias que o Kléber mostra imaturidade. Elas não são para a sua esposa, sua família ou seus amigos. Não são para o ‘ser-humano’ Kléber, são para a interface a que o torcedor tem acesso. O profissional, o artista de circo, o ator, que existe unicamente em razão do seu público. E elas só acabam quando ele for capaz de apresentar um bom espetáculo. Grandes jogadores já foram vaiados, e deram a volta por cima.

É ótimo que ele fale o que pensa, mas é bom pensar antes de falar. Ser um grande jogador não é estar acima do bem e do mal. Como é mesmo a frase? Nem Ele agradou a todos...


Pedro Grossi

sábado, 12 de setembro de 2009

Enredondamento




Certas fotos valem sempre a pena.

sábado, 5 de setembro de 2009

O nosso Brad Mehldau

O que esse cara toca é um absurdo













Pedro Grossi

sexta-feira, 14 de agosto de 2009

Vida de técnico

Em tempos de secura criativa, apelo para produções alheias. Tento, ao menos, ser seletivo nas citações.

Vida de técnico - Arthur Dapieve

O Brasil é o país do futebol. E de clichês como esse. Em torno dos gramados, então, os lugares-comuns pululam mais que cambistas, flanelinhas e ambulantes. Às vezes, o país tenta inovar, ou descobrindo um esquema de manipulação de resultados envolvendo um único árbitro ou considerando, como ora considera um desembargador, que não há estelionato no caso do solitário árbitro, manipulador confesso de resultados. É como se, num Brasil onde se rouba até merenda escolar, o futebol fosse a única coisa imaculada.

No mais das vezes, porém, impera o clichê. É aquela frase feita que, conquanto guarde alguma relação com a realidade, esvazia-se de sentido ao ser usada com frequência e automatismo, sem atenção aos casos particulares. O clichê acaba virando o nonsense elevado à condição de regra pétrea. No âmbito do futebol, um dos meus "favoritos" retorna a cada demissão de técnico. Todas elas, independentemente de suas peculiaridades, são sempre lamentadas como injustas em termos que às vezes não fazem o menor sentido.

Releia-se, por exemplo, o que o lateral direito Alessandro, do Botafogo, disse na segunda-feira a respeito da demissão do técnico Ney Franco. "É normal isso aqui no Brasi, treinador que não consegue resultado é demitido", lastimou o atleta. Não é necessário, entretanto, ser jogador de futebol para incorrer nessa batatada. Muitos jornalistas esportivos também o fazem, naturalmente em locuções mais elaboradas. O argumento subjacente é que é preciso dar tempo para que um treinador mostre a frente de uma equipe.

Eis o substrato de verdade no clichê. Não é possível cobrar resultado de quem mal assumiu o posto, ninguém discute. Todavia, na hora em que se extrapola o bom senso e insinua-se que nenhum técnico teve tempo bastante, aí sim se recai no lugar comum. Afinal, o que é o esporte, a não ser resultado? "O importante é competir"? Rá. Sei. Uma coisa é defenestrar um profissional após alguns meses e um punhado de partidas, outra é convidá-lo a se retirar após mais de ano. Esse era o caso de Ney Franco, cuja demissão foi largamente pranteada na mídia, talvez por ele ser educado, gente boa, sangue bom.

Só que o torcedor não quer seu técnico para papear no boteco, não quer chamá-lo para ser padrinho de batizado da filha. Quer é que o cara bote seu time na linha e, se não conseguir títulos, que ao menos não o envergonhe. Em 13 meses no meu Botafogo, Ney Franco obteve 34 vitórias, 18 empates e 23 derrotas. Ou seja, consguiu 120 de 225 pontos disputados. Muito pouco. Se se levar emconta que a maior parte das vitórias ocorreu no fraquíssimo Campeonato Carioca, a perspectiva piora. E se se lembrar que o time entregou essa taça para o Flamengo quando tinha nas mãos faca, queijo e guardanapo, então...

Ah, o time do Botafogo é mediano? É, de fato. Não tem esquadrões poderosos como Goiás, Atlético-MG, Barueri e Avaí, todos ora à frente até do Flamengo no Brasileirão. Mas reza o clichê que é lamentável um técnico ser cobrado por resultados... Ora, qual profissão, salvo a de presidente do Maranhão e alguns outros servidores públicos, não é cobrada por resultados? Alguém imagina a caixa do supermercado se queixando na hora do bilhete azul: "Eu errei muito troco, irritei a freguesia, e, no fim do dia, as contas não batiam, mas é uma pena essa tradição do varejo brasileiro de cobrar as caixa s por resultado."? Os resultados justificam, sim, a demissão de Ney Franco - que, aliás, acertou com o Coritiba ainda antes de o Botafogo anunciar o substituto, Estevam Soares - assim como justificam a permanência de Dunga na seleção. Mineiro e gaúcho são antípodas. Enquanto Ney Franco fala manso, canta Beatles e até se arrisca ao violão, Dunga rosna, acha que tudo que você precisa é joelhaço e deve achar rock coisa de veado. Enfim, o tipo de figura que a mídia adora detestar. E detestamos todos, eu inclusive, quando ele se materializou sem experiência nenhuma, como um pau-mandado de Ricardo Teixeira, presidente da CBF.

Dunga, contudo, foi conseguindo os resultados. Nos amistosos, na Copa América, na das Confederações, nas eliminatórias para o Mundial. Tanto que agora só alguma catástrofe o tirará do comando no ano que vem, na África do Sul. Ah, ele tem sorte? Tem, de fato. Quanto mais ele trabalha, mais sorte tem. Dunga foi acertando o time, na escalação e na tática, livrando-se de muitos boitatás (alguns, não todos, criados por ele mesmo).

O técnico da seleção ainda tem lá suas manias inexplicáveis, tipo Josué e Elano. Todo técnico de futebol tem. Ney Franco, por exemplo, tinha Fahel, Emerson, Lucas Silva. Contando com melhor material humano, Dunga controlou tais impulsos autodestrutivos. Josué esquenta o banco há tempos, e Elano cedeu lugar a Ramires, superior. Dunga fez mais: ao não chamá-lo para o amistoso contra a gloriosa Estônia, sinalizou que Alexandre Pato talvez seja (como eu acho que é) supervalorizado. Veremos. Dentro de lógica similar, o técnico pôs e esqueceu na geladeira o ex-atleta Ronaldinho Gaúcho.

Dunga é perfeito? Isso não existe. O que existe é técnico cuja equipe vibra e ganha jogo, técnico cuja equipe é abúlica e não ganha cara ou coroa. Alguns conjuntos não chegam nem a ser incompetentes, são inapetentes. Por razões inteiramente diversas, o Botafogo de Ney Franco, sem estrelas, e a seleção pré-Dunga, galáctica, estavam assim.


Pedro Grossi

quinta-feira, 30 de julho de 2009

A volta de quem não foi

Natural (e histórica) a escolha de Michael Schumacher para substituir Felipe Massa nas corridas em que será obrigado a se acomodar no estaleiro.

As opções eram parcas, na verdade. Embora bem vistos na casa, os pilotos de testes da Ferrari, o eterno "regra três" Luca Badoer e o espanhol Marc Gené, são especialistas no ofício de ir para a pista e não competir com nada além dos próprios tempos. Eles não têm experiência suficiente em provas, algo tradicionalmente preconizado pela escuderia. E, claro, não são garotos. Trazer alguém de fora? Poderiam. Assim como, dessa forma e quem sabe, azedar o namoro com Fernando Alonso, que uma hora ou outra irá desembarcar em Maranello.

Muito mais interessante, porém, esportivamente e em termos de imagem, é reaver o homem mais vencedor da história da Fórmula 1, o pilar do ressurgimento e domínio sem precedentes dos cavalos rampantes. Aos 40, conselheiro de luxo, o alemão não disputa um GP desde 2006 . Não senta em um cockpit desde o ano passado. Nada de muito. Dê a ele um macacão, um carro e uma bateria de testes, e a “natureza” se encarrega do resto.

Schumy aceita o rojão porque nunca se sentiu à vontade com a ideia tradicional de aposentadoria. Aceita, também, em apoio irrestrito a Massa, com quem correu e se deu muito bem - e por quem certamente torce para prosseguir na equipe.

E aceita, mais simbolicamente, para “terminar” o que fora abortado há 10 anos, no acidente em Silverstone, que lhe custou uma perna quebrada e uma temporada que dificilmente escaparia de sua alça de mira.

Esta não é a primeira vez que a F-1 vê um peixe grande ensaiar o bate-e-volta. Lauda, Prost e Mansell já pararam e retornaram, enlouquecendo fãs, vencendo corridas e, e no caso dos dois primeiros, títulos. Improvável que isso se repita. Mas o fato é que a lenda está de volta. Sem nada a perder. Mais uma vez com o desafio de evoluir um conjunto rateante. E como isso é bom.

sexta-feira, 26 de junho de 2009

Michael Jackson


Longe de ser o meu colunista preferido. Mas há momentos em que ele acerta em cheio. Abaixo reproduzo o texto que Reinaldo Azevedo escreveu sobre a morte de Michael Jackson e da Pantera Farrah Fawcett. Por serem idealizados, os ídolos carregam um pouco de nós. E, quando partem, levam junto esse pedaço. Mas é justamente a morte, universal e inapelável, que põe todos, mitos e 'mitificadores', sob a mesma perspectiva do perecível.

Perguntam-me se não vou escrever nada sobre a morte de Michael Jackson. Música pop não é exatamente a praia em que ando com mais desenvoltura. Até onde acompanhava, esse rapaz teve a sua fase de ouro. Era, no gênero, talentoso, criativo, ousado. Mas é possível que tenha se deixado trair pelo mais perigoso de todos os demônios da legião que nos tenta todas as horas do dia: aquele que nos sopra aos ouvidos que nossas qualidades derivam de nossos defeitos; sem estes, não teríamos aquelas. É uma das farsas grotescas do diabo. Os defeitos, é claro, são só o que nos atrapalha.

A partir de um momento de sua trajetória, Jackson parecia mais livre do que todos nós, a tal ponto que resolveu recriar a própria imagem. Pensem um pouco. É o espelho que, no dia a dia, recolhe os nossos cacos e os cola numa inteireza: “Este é você”, ele nos diz. Olhando-nos, podemos ver a nossa própria consciência, as dores que só nos conhecemos, os medos que não confessamos. Está tudo lá. Diante de nossa própria figura, na solidão, o coração pode, então, como num soneto antigo, estampar-se no rosto. Não há plástica ou cosmética que possam nos livrar de nós mesmos.

Refugiado em Neverland, Jackson quis ser “Outro”, dissociando o que ele realmente era daquele que ele via. O que o espelho nos mostra de mais importante não são, pois, nossas rugas, nossos cabelos brancos, nossos quilos a mais ou a menos. Dia após dia, ele resume a nossa vida. Vemos, parafraseando Drummond, o queixo de nosso pai no nosso queixo; marcas da família desenhando nossa idade madura e nos acenando com a velhice — vislumbramos o nosso queixo no queixo de nossos filhos: sobreviveremos. Justificamo-nos, enfim, diante dele, tentando, à saída, uma última conciliação: quem sabe ele nos perdoe e nos diga um “Siga adiante”. E ele costuma dizer. E só por isso tocamos o barco.

Como era com Jackson? Pouco importa a causa imediata de sua morte, o que se viu foi um dos suicídios mais lentos do showbiz, área em que ou se desaparece muito cedo, como a evocar a máxima de que “morre cedo o que os deuses amam”, ou se entra em decadência, com o esquecimento e a irrelevância cortejando a estrela. Ele ainda tentava mudar a escrita do destino, buscando um renascimento com shows na Inglaterra. Não houve tempo. Os deuses roubam quando dão. E o mais perverso de todos os novos deuses olímpicos é a fama. Jackson foi eliminando progressivamente a memória de si mesmo, ficando sem passado. E, à medida que mergulhava sabe-se lá em que doença do espírito, tinha menos o que dizer para o futuro. O garoto genial (para o gênero ao menos) de Thriller era uma carcaça. Jackson, morto em vida, estava oco de si mesmo. Aquele do espelho não era ele, mas também não era ninguém. De fato, havia morrido fazia tempo. Seu sofrimento não deve ter sido pequeno.

Algo em nós se perde quando se vão os ídolos de uma época, ainda que não nos dissessem grande coisa. Farrah Fawcett — convenham: era a única “Pantera” com a qual realmente nos importávamos, ao menos os garotos — também morreu nesta quinta. A figura, antes exuberante, lutava contra um câncer e estava afastada do mundo das celebridades. Por que de algum modo isso nos comove ou, ao menos nos constrange, trazendo-nos desconforto?

Porque eram do nosso tempo, e sabemos que as três Parcas que zelaram pelo destino deles também zelam pelo nosso. Não param de fiar. Dia e noite. Noite e dia. Lá está Cloto, fazendo girar o fio do destino dos homens, cuidando de uma roca que desce do céu. Com as vestes semeadas de estrelas, Láquesis põe o fio no fuso, até que chega Átropos, com sua vestimenta negra, e pimba! Corta-o. Inapelavelmente. Alguns intérpretes da Mitologia Grega as querem filhas da Necessidade e do Destino. E têm a idade da Noite, do Céu e da Terra. Para sempre.

Criamos muita desgraça, mas também muita beleza tentando, inutilmente, dar um truque nas Parcas. Mas elas nos acham. Nesta quinta, Átropos se encarregou de Michael Jackson e Farrah Fawcett. Um dia achará o nosso fio.

Reinaldo Azevedo


Pedro Grossi

Dancing Machine



O groove não morreu.

R.I.P.
29/08/1958 – 25/06/2009

terça-feira, 2 de junho de 2009

Kaufman é brilhante! Eu acho.

Charlie Kaufman é de rachar o cérebro. Você tenta processar as informações até o seu nariz sangrar e as coisas começarem a fazer a sentido. Em vão. As viagens são tão loucas que agora ele mesmo tem de filmar os próprios roteiros. A diferença é que suas loucuras não têm nada do experimentalismo estético de estudante de cinema nem o frenesi imagético de um videoclipe. São loucuras com identidade própria, por assim dizer. São viagens pesadíssimas, mas a sensação é de estar em terreno solidamente pavimentado.

A carpintaria e pretensão dos roteiros de Charlie Kaufman são, imagino, como um livro de James Joyce: ninguém é capaz de decifrar a obra completa, mas as migalhas que conseguimos absorver são o bastante para saciar a fome.

Mais uma vez somos levados pra dentro da mente do protagonista (Quero ser John Malkovich e Brilho Eterno de uma Mente sem Lembrança) para, vendo o mundo pela sua perspectiva, testemunharmos um mergulho nas universais aflições humanas. É o máximo que consigo descrever de Sinédoque New York. Para ajudar como ponto de partida: segundo o Aurélio, Sinedoque é “a substituição de um termo por outro, em que os sentidos destes termos têm uma relação de extensão desigual (ampliação ou redução)”. A isso soma-se um simulacro ad infinitum de (con)fusão entre realidade e representação, com saltos cronológicos e tiradas filosóficas. Aproveite as migalhas que encontrar no meio do caminho.



Pedro Grossi

domingo, 24 de maio de 2009

Ano de Button na Fórmula 1

http://images.tvnz.co.nz/tvnz_images/sport2009/motorsport/formula_1/2009/button_jenson_smile_2.jpg

Se alguém ainda tinha dúvidas sobre o dono do mundial de F1 deste ano, o GP de Mônaco, hoje, pôs fim a qualquer resquício de titubeio. 2009 tem sorrido para Jenson Button. E o homem das vitórias categóricas, virtual campeão, retribui assim, com mais sorrisos.

O domínio reflete nos números e na alegria incontida demonstrada a cada fim de semana. São cinco vitórias em seis corridas. Praticamente cinco passeios. A mesma quantidade de êxitos que levou Hamilton à taça do ano passado. Enquanto Lewis, Sir condecorado, pena com uma Mclaren plebéica, o conterrâneo desfila sua Brawn-branca-marca-texto com a elegância de verdadeiro detentor de pedigree real. Tocada limpa, sóbria sempre. Para virar tempos compatíveis, Massa e Raikkonen saltavam como sapos por sobre as chicanes de Monte Carlo delicadamente contornadas pelo filho de John Button.

Os eventuais obstáculos ao título fazem jus ao adjetivo e estão longe da consistência. As Toyotas enfraqueceram tais quais as vendas do Corolla com o Novo Civic. As asas da Red Bull parecem reféns das atuações extraordinárias de Vettel e do talento nada vencedor de Webber. A única ameaça real, ainda que tardia, é a costumeira Ferrari. Após um início lastimável, aporta na Turquia em curva nitidamente ascendente e com um piloto que, nessa pista, só conhece vitórias desde que virou titular. Mas é pouco, à esta altura. BMW e Renault a desconsiderar.

Barrichello não é adversário. O próprio já deve ter reconhecido e se resignado. Não por estratagemas mal intencionadas ou favorecimentos ilícitos. Mas simplesmente pelo fato de Button ser mais veloz. Assim, sem traumas. Porque, convenhamos, é muito mais fácil (não) espernear por quem é rei da paróquia e recebe todas as regalias, do que por alguém que nunca sequer teve a chance de brigar para ser príncipe.


Leonardo Rodrigues

terça-feira, 12 de maio de 2009

6 músicas para fossa

Big Star – Kangaroo

As composições de Alex Chilton rebatem em extremos. Da lepidez ensolarada à aflição mais introspectiva e melancólica. Coverizada por Jeff Buckley, “Kangorooo” está em “The Third Album/Sister Lovers”, terceiro, “perdido” e tristíssimo disco do Big Star.




Radiohead - Bullet Proof..I Wish I Was

A consciência melódica sempre esteve entre os trunfos do Radiohead – e de fato poderia ter sido mais explorada nos últimos discos. “Bullet Proof...I Wish I Was” é um misto de impotência e intento de blindagem emocional. De alfinetar cada canto da alma.




Claude Debussy - Clair De Lune

Onde termina a beleza e começa a dor? É possível definir a relação? Elementos pressupostos? Frutos intrínsecos do mesmo meio ou mera convenção arbitrária? Dificilmente Debussy possuía respostas para essas indagações existenciais. A não ser, apenas, quando compunha.




Randy Newman - I Think It's Going To Rain Today

Artífice das trilhas sonoras e das narrativas melindrosas, Randy Newman tem na penúltima faixa de seu primeiro disco a languidez reconhecida por uma penca de regravações. Nenhuma delas com a carga emocional nem o registro idoso do autor, no alto de seus 24 anos.




Yann Tiersen - À Ton Étoile

“À Ton Étoile” integra o repertório da banda francesa Noir Désir. Aqui, aparece na sorumbática versão do primeiro trabalho ao vivo de Yann Tiersen, com Bertrand Cantat aos vocais - quatro anos antes de espancar até a morte a namorada e atriz Marie Trintignant.




Chet Baker – You Don´t Know What Love Is

Impossível desassociar tristeza e Chet Baker. A interpretação dele neste quase subterrâneo clássico do “Great American Songbook” é para cortar pulsos de titânio, esmigalhar corações de diamante e arrancar lágrimas de Mike Tyson.




Leonardo Rodrigues

quinta-feira, 16 de abril de 2009

The Drugs Don't Work


(nada a dizer? taca um vídeo) Eu não me lembro desse vídeo. Gostava do Verve, via MTV, acompanhava os clips, algumas notícias pingadas, mas não me lembro desse vídeo. Inutilmente engraçado perceber essa lacuna depois de mais de 10 anos.

Eles me lembram 98, Copa da França, manhãs de sol frio, basquete no sexto horário, oitava série, época boa. "Urban Hymns" foi um dos primeiros álbuns que comprei, de verdade, na vida. Na esteira da alta rotação de "Bittersweet Symphony" e "Lucky Man". A banda é ótima, a música é linda e o disco primoroso - o que provavelmente motivou meu desagrado ao comeback "Forth", lançado ano passado.

The Verve funciona.


Leonardo Rodrigues

quinta-feira, 9 de abril de 2009

Colhão acadêmico

Para certas pessoas, a palavra "credibilidade" assume formas inacreditáveis.


Leonardo Rodrigues

domingo, 5 de abril de 2009

Quem Kiss Teve



Aproveitando a quarta passagem do Kiss pelo Brasil.

Em três partes. Sensacional.


Leonardo Rodrigues

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Enquete útil



Dá pra discordar que o site da Província FM (Ouro Preto) é um dos mais espetaculares da história da civilização ocidental?













Pedro Grossi

quarta-feira, 25 de março de 2009

Radiohead

Pesquisa: Marcela Carrato

Estive hesitante sobre escrever esse texto. Um pouco pelo excesso de clichês e superlativos que ele inevitavelmente terá e um pouco por repetir o que provavelmente vem sendo dito ad infinitum. Mas como não tenho (sérias) pretensões literárias e essas linhas de insignificante ressonância vão servir basicamente pra que eu me releia em algum tempo e rememore situações que de alguma maneira me marcaram resolvi arriscar. Só mais uma pitada explicativa: o que acho legal em blogs é poder, com o distanciamento crítico que o tempo dá, ver como perdemos horas defendendo teses que não fazem sentido e como dedicamos esforços em cruzadas inócuas. Por outro lado, de que é feita a vida se não desses pequenos estandartes cotidianos que invariavelmente se perdem nos desvãos da história?

Por isso, nesse exato momento travo uma árdua batalha contra a preguiça e a falta de inspiração para me manifestar sobre um evento que, hoje, considero histórico: a primeira passagem do Radiohead pela América Latina. Geralmente as expressões ‘melhor de todos os tempos’, ‘divisor de águas’, ‘maior da história’ são aplicadas equivocadamente por pessoas de visão restrita que perderam a noção do todo. Algo como, tudo é tão mal feito que uma coisa minimamente bem produzida ganha alcunhas epopéicas. Não sei se é o caso. Talvez seja. Mas correndo o risco de cometer absurdos históricos vou fazer coro à multidão.

A chata abertura do Los Hermanos e o insosso show do Kraftwerk só serviram para minar a minha paciência e abalar a minha estrutura física. O fato é que quando o show do Radiohead começou eu já mal me aguentava em pé. Mas a profusão de cores e sons exigia tanto do meu cérebro que não sobrou muita potência mental para transmitir os sinais de dor aos meus nervos. Não sei se o visual do palco foi o mais espetacular da história da música mundial, mas, sem dúvida, foi o mais impressionante que eu já vi. Tubos pendurados refletiam os efeitos de cores que cada uma das 26 músicas do set list pedia. Dois telões, divididos em quatro partes, pegavam detalhes da execução da banda ao vivo. O resultado eram videoclipes, de altíssima qualidade, produzidos em tempo real (Seria esse um exemplo do tal vídeo dispositivo?), capturando momentos como Johnny Greenwood tocando teclado com o braço da guitarra ou um primeiríssimo plano dos olhos desalinhados do Thom Yorke.

Musicalmente a banda é absurdamente competente. É difícil rotular o Radiohead sem reduzir a importância do grupo. Seria muito dizer que a combinação de pegada rock com cadências minimalistas é sem precedentes, mas os resultados alcançados são bem originais. No palco, as canções ficam ainda melhores, e mesmo que o grupo não siga a fórmula introdução- refrão - solo - refrão, as canções ressoam na cabeça por dias a fio. Sem me delongar no set list (apenas registro a dobradinha Paranoid Android/capela do público/Fake Plastic Trees), finalizo aqui a missão particular de me colocar à prova do julgamento do tempo para dizer que foi, sim, um divisor de águas na história do showbusiness brasileiro.


Pedro Grossi





Paranoid Android

quinta-feira, 19 de março de 2009

Religião não se discute


Paixão e bom senso não se bicam. Onde um está o outro geralmente passa longe. E, nesse momento, o meu bom senso deve estar dando uma volta pela Antártida ou talvez em Marte, filosofando com o Dr. Manhattan. É tudo verdade: as intervenções teatrais muitas vezes flertam com o ridículo, as coreografias performáticas e os coros onomatopéicos são odes à cafonice, mas há esse pequeno componente chamado paixão que defenestra o bom senso e coloca tudo em uma nova perspectiva transformando o show do Iron Maiden em um ritual quase transcendental.

A procissão de ordeiros camisas-pretas que antecede uma apresentação parece de fato indicar o início de alguma celebração religiosa. O que não está muito longe da verdade. Santificado no universo do metal, o Iron é visto com uma reverência quase xiita. A banda alcançou aquele status do qual em seu nome se pode queimar hereges em praça pública ou estourar o próprio corpo repleto de bombas, que sempre haverá defensores fervorosos. Felizmente, as intenções do grupo são menos messiânicas, embora a sensação de expurgo de demônios que se tem ao sair de uma ‘sessão’ do Iron seja a mesma descrita por aqueles crentes que se contorcem em pregações religiosas.

Se a comparação for com o esporte, o Iron Maiden seria um time de futebol que ganha sempre de goleada. E que torcida não sonha com isso? Já na seara musical as comparações são mais difíceis. As guitarras gêmeas (no caso, trigêmeas) remetem a Wishbone Ash e há quem diga que as melodias tenham inspirações clássicas. Mas o que é interessante perceber é que no supermercado do universo pop (como diria meu amigo de Orkut, Terence) o Iron ocupa sozinho uma prateleira inteira. Com mais de 30 anos de estrada, não se tem notícia de que a banda tenha surfado nas ondas dos modismos, e talvez essa lealdade com a própria história sirva um pouco para justificar a fidelidade canina de seus fãs. Num mundo angustiado com guerras, depressões internas e ameaças tecnológicas, o Iron sempre foi um porto seguro. Como voltar pra casa depois de um cansativo dia de trabalho. Ainda que fazendo o mesmo som há décadas – apenas para fim de generalizações, porque no frigir dos ovos há sensíveis mudanças musicais ao longo dos anos – e servindo de inspiração para gerações de músicos de garagem, a banda não tem imitadores relevantes (por respeito ou incompetência) e não é expoente de nenhum subgênero musical – como já foi do NWBHM, no começo da carreira -. Iron Maiden é quase um estilo isolado, que evolui a seu próprio tempo, ignorando as indicações do mercado e as tendências de comportamento e consumo.

Se hoje você pegar um disco dos ingleses, certamente não vai encontrar nele as sementes de uma revolução ou algo que aponte para o futuro da música, mas, sem sombra de dúvida, vai se deparar com um pouco da essência daquilo que já se produziu de melhor no mundo dos acordes.

Mineirinho 18/03

É um daqueles momentos que já nasce histórico antes mesmo da ‘bola rolar’. Se sente no ar que aqueles instantes serão reproduzidos por anos em milhares de conversas de bar ou chats de internet. Cada um tentando se destacar para fazer parte da história. “Vi quando eles chegaram”. “Peguei uma das baquetas”. “Era o meu aniversário”. “Era a minha festa de despedida”. Esse caráter histórico se perpetua no tempo, já o alto preço dos ingressos e a acústica sofrível vão perdendo espaço na nossa memória seletiva.

As duas primeiras músicas (“Aces High” e “Wrathchild”) só consegui ouvir graças a minha, digamos, memória muscular. É que já as ouvi tantas vezes que meu cérebro completava sozinho os zumbidos graves que saiam das PA’s. A partir de “Children of the Damned” – uma das minhas prediletas – o som finalmente ficou mais audível, em parte porque desenvolvi uma revolucionária técnica de acústica manual, que consiste basicamente em, ora fazer formato de concha com as mãos em volta dos ouvidos, ora tapá-los, com mais ou menos força.

A visão de um mar de gente literalmente transpirando felicidade realmente é algo que emociona. Por mais que você tente se fazer de durão é inevitável ouriçar os pelos ao ouvir a introdução de “Wasted Years” ou de “Hallowed be thy name” e, largando o receio de parecer patético (o bom senso está longe, lembra-se?), você acaba entrando de bom grado nos coros onomatopéicos e rasga o gogó como se não houvesse amanhã. Abraça desconhecidos e comemora como um gol ao menor sinal de que mais um clássico se avizinha. Sai como se tivesse tirado um peso das costas, até que aos poucos os problemas do mundo começam novamente a se acumular no lombo. Mas só até o próximo momento histórico. E que ele venha logo!






Pedro Grossi

sexta-feira, 13 de março de 2009

Beirut

Zach Condon é uma espécie de Malu Magalhaes do bem. Aos 18 anos, o norte americano misturou 'indie folk' com uma sonoridade dos balcãs e do leste europeu e lançou um disco arrebatador: Gulag Orkestar. Multi-intrumentista, Zach tocou quase todos os intrumentos do álbum, lançado com a ajuda de Jeremy Barnes, das bandas Neutral Milk Hotel e A Hawk and a Hacksaw.

Hoje, aos 21 anos, Zach é quem responde unicamente pela banda-sensação Beirut e tem no currículo mais um clássico instantâneo, The flying Club Cup, segundo disco da sua carreira. Nesse trabalho, as influências são ampliadas e passam a incorporar também a Europa ocidental, sobretudo a música francesa.

Vivendo como um nômade girando o mundo e assimilando novas sonoridades à sua música, Zach prepara para esse ano o lançamento de The march of the Zapotec/Holland, que promete a incursão de elementos eletrônicos, mas sem abandonar a essência cigana.


Clipe de Elephant Gun

Pedro Grossi

domingo, 8 de fevereiro de 2009

William Hugh Nelson

Johnny Cash não foi o primeiro cabra caipira a dar novas cores a velhos retratos em tom de sépia da música pop. Em 78, já como estátua do gênero, Willie Nelson arriscou ao experimentar a reunião de clássicos do popular americano em covers que nada tinham de afronta às normas vigentes (talvez, apenas, pelo chapéu).

O inusitado de “Stardust” transformou o filho do Texas em herói nacional e confirmou a boa fase comercial atravessada desde o arrombo de “Red Headed Stranger”, de 75. O sucesso foi ainda mais vultoso, despertando um interesse massivo e praticamente inédito pelo country.

Cai como uma luva o repertório de standarts ao vocal ligeiramente jazzístico e asperamente romântico de Nelson. Neste que é outro dos pedaços de plástico a tradicionalmente praticar rotações sobre o Gradiente DD-100Q de casa. No ano passado, recebeu generosa edição “Legacy” de trigésimo aniversário, com o dobro de versões. Naturalmente, ainda inédita por nossas priscas e nada diligentes pampas.


Stardust

Georgia On My Mind

September Song

Someone To Watch Over Me


Leonardo Rodrigues

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

O Dilema Salgado

A matéria publicada no Globo de hoje (reproduzida abaixo) trouxe à tona uma questão que já me tirou o sono, mas para a qual não consegui nenhuma conclusão. Até que ponto é legítima a exploração da miséria alheia a la Sebastião Salgado?

Em 1994, o fotógrafo sulafricano, Kevin Carter, vencedor do prêmio pulitzer de fotografia, se matou enfiando uma mangueira de gás na cabine de sua caminhonete anos depois da famosa foto de uma menina sudanesa sendo espreitada por um abutre. Ele, que por anos trabalhou na cobertura da guerra civil na África do Sul, não suportava a idéia de ter feito fama às custas da miséria humana.

Indianos fazem protesto contra filme
Moradores de favela criticam título e retrato da pobreza de ‘Slumdog Millionaire’

Dezenas de moradores de uma favela de Bombaim, onde “Slumdog Millionaire” foi parcialmente filmado, protestaram ontem contra o filme, gritando insultos e golpeando com chinelos fotografias do elenco e da equipe. O sucesso internacional do filme provocou reações na Índia, motivadas por seu título, que foi considerado ofensivo por alguns moradores da favela (Slumdog em inglês, siginifica “Cachorro da favela”), e pela maneira como foi retratada a vida de indianos pobres.
- Eles fizeram uma gozação da gente, feriram nossos sentimentos – disse N.R. Paul, um dos líderes da manifestação e morador de Dharavi, a maior favela da Ásia.

O filme, que ganhou diversos prêmios internacionais e tem dez indicações ao Oscar, foi lançado na Índia no mês passado. O diretor, Danny Boyle, enfrentou acusações por parte da mídia da Índia de que o filme era um “pornô da pobreza”. Boyle disse que estava tentando captar a “cobiça pela vida” de Bombaim.

“Moradores das favelas são seres humanos, não cachorros”, dizia um pôster.

- Deveriam mudar o título. Por que nosso censor permitiu um título como esse na Índia? – disse Kallubhal Quareshi, habitante de Dharavi.

Manifestante pede melhorias na favela

Os manifestantes, que diziam que o retrato do filme sobre a pobreza era humilhante para milhões de pessoas, gritavam “Abaixo, abaixo Danny Boyle” e “Abaixo, abaixo o censor”. Nicholas Almeida, morador da favela, entrou com uma queixa num tribunal local contra o título e disse que a produção do filme também tinha responsabilidade sobre as favelas nas quais eles filmaram.

- O filme está fazendo muitos milhões de dólares. Por que não podem gastar algum dinheiro aqui para melhorar nossas vidas? – disse Almeida. Boyle e o produtor Christian Colson, respondendo a comentários recentes do “Daily Telegraph” de que crianças da favela foram mal remuneradas, disseram que pagaram sua educação numa escola e criaram um fundo para cobrir outras despesas.

 Foto que trouxe fama e tormento para Kevin Carter

Pedro Grossi

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

It is written

Uma inacreditável história contada em flashbacks em que o protagonista, tentando contrariar o destino, sai errante em busca do amor da infância, que parece determinado a não se concretizar. A sucessão de acasos que por tanto tempo os afastaram um do outro acaba promovendo o reencontro, selando um destino, que agora, parece inevitável. Não se trata do tempo em marcha à ré de Benjamin Button (aliás, ótimo filme, que ainda quero comentar aqui), mas de Jamal Malik, personagem de seu concorrente direto, e - a julgar pelo prêmio dado pelo Sindicato dos Diretores de Hollywood -favorito, ao Oscar de melhor filme: Slumdog Millionaire.

O filme conta a história de um indiano ‘favelado’ que participa do famoso programa de TV “Who wants to be a millionaire”. Sem estudos, o jovem de 18 anos chega à inédita quantia de 10 milhões de rúpias (R$ 500 mil, aproximadamente) respondendo a perguntas de conhecimentos gerais. O bom desempenho do garoto levanta suspeitas e ele é levado para ‘prestar esclarecimentos’ a inspetores policiais, antes de responder a última pergunta, de 20 milhões de rúpias. O ponto de partida da narrativa é o jovem Jamal Malik sendo torturado por policiais para que ele esclareça qual a forma de trapaça. Alegando inocência, Jamal relembra momentos da sua vida até aquele instante, explicando de que forma foi acumulando as informações que acabariam sendo úteis para a sua participação no programa.

O mérito do roteirista Simon Beaufoy, que já havia sido indicado ao Oscar em 1997 por “Ou tudo ou Nada” – The full Monty -, foi criar uma teia de acontecimentos fluída sem fazer um filme episódico ou de esquetes desconexas. Baseada no romance Q&A (Questions and Answers) de Vikas Swarup, a história se desenrola à medida que Jamal vai reconstruindo sua vida em flashbacks para justificar seus acertos no game televisivo. E aqui entra a dúvida machadiana: tudo é fruto da cabeça de Jamal. Até que ponto as coisas aconteceram realmente da forma como ele descreve?

A metáfora do acaso, ou destino, e da falta de controle que temos sobre os rumos da própria vida é perfeitamente representada pelo jogo de televisão. Jamal não é um gênio ou, até onde sabemos, um trapaceiro. Por ‘estar escrito’ que seria assim ele foi desafiado apenas com perguntas as quais sabia as respostas. E há uma cena emblemática a respeito. Numa das primeiras perguntas, considerada fácil, o jovem pede ajuda à platéia. Revendo o vídeo na sala de interrogatório, o inspetor argumenta que qualquer criança de cinco anos saberia a resposta. O contra-argumento do jovem é direto: “o senhor sabe o preço do prato típico da vila onde nasci? Diante da negativa do inquisidor, ele completa: “Qualquer criança de cinco anos da minha comunidade saberia responder”.

Cada uma das perguntas do Quiz remete a um episódio da vida de Jamal, cronologicamente da infância à juventude. Da sua relação conturbada com o seu irmão mais velho, Samir, e da busca incessante pelo amor de sua vida, Latika. Os personagens crescem na periferia de uma violenta Mumbai (e aqui há alguns momentos que remetem a filmes como Cidade de Deus, com uma violência extremada já incorporada ao cotidiano das pessoas e as cenas rápidas e nervosas em vielas e becos que retratam uma miséria absoluta) que se desenvolve “para se tornar o centro do planeta”, como diz um dos personagens, mantendo a desigualdade típica de países do terceiro-mundo. Mas o cineasta inglês Danny Boyle (diretor de “Trainspotting” e “A Praia”) abandona a crítica social para dizer, por meio da história do jovem indiano, que por mais que sejamos reféns do destino ou do acaso, o rumo das nossas vidas depende, primordialmente, das nossas escolhas.




Pedro Grossi

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Alexandra Elene Maclean Denny

Sandy Denny pode ser enquadrada na mais funesta categoria de ídolo esquecido. Letrada em Dylan e no domínio público bretão, ela fez do violão seu fortim e, com um registro agridoce, ajudou a maquinar a concepção inglesa e cinza do folk (rock) norte-americano.

Morreu em 1978, vítima de tumor no cérebro, depois de cair do alto da escada na casa dos pais. Um mês depois. O incidente nunca foi muito bem esclarecido. Pelos dez anos passados, entre bandas, projetos e carreira-solo, fez honrar o título de maior cantora do gênero no Reino Unido.

A estação de hoje vai à base de quatro canções da moça. A primeira, o belo momento solo às cordas gravado na Dinamarca, junto aos Strawbs. A terceira e a segunda, com o Fairport Convention, extraídas do primoroso “Unhalfbricking”. E a última, com o Fotheringay.


Sandy Denny and The Strawbs - Who Knows Where the Time Goes?

Fairport Convention - Genesis Hall

Fairport Convention - Autopsy

Fotheringay - Winter Winds

Leonardo Rodrigues