terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

It is written

Uma inacreditável história contada em flashbacks em que o protagonista, tentando contrariar o destino, sai errante em busca do amor da infância, que parece determinado a não se concretizar. A sucessão de acasos que por tanto tempo os afastaram um do outro acaba promovendo o reencontro, selando um destino, que agora, parece inevitável. Não se trata do tempo em marcha à ré de Benjamin Button (aliás, ótimo filme, que ainda quero comentar aqui), mas de Jamal Malik, personagem de seu concorrente direto, e - a julgar pelo prêmio dado pelo Sindicato dos Diretores de Hollywood -favorito, ao Oscar de melhor filme: Slumdog Millionaire.

O filme conta a história de um indiano ‘favelado’ que participa do famoso programa de TV “Who wants to be a millionaire”. Sem estudos, o jovem de 18 anos chega à inédita quantia de 10 milhões de rúpias (R$ 500 mil, aproximadamente) respondendo a perguntas de conhecimentos gerais. O bom desempenho do garoto levanta suspeitas e ele é levado para ‘prestar esclarecimentos’ a inspetores policiais, antes de responder a última pergunta, de 20 milhões de rúpias. O ponto de partida da narrativa é o jovem Jamal Malik sendo torturado por policiais para que ele esclareça qual a forma de trapaça. Alegando inocência, Jamal relembra momentos da sua vida até aquele instante, explicando de que forma foi acumulando as informações que acabariam sendo úteis para a sua participação no programa.

O mérito do roteirista Simon Beaufoy, que já havia sido indicado ao Oscar em 1997 por “Ou tudo ou Nada” – The full Monty -, foi criar uma teia de acontecimentos fluída sem fazer um filme episódico ou de esquetes desconexas. Baseada no romance Q&A (Questions and Answers) de Vikas Swarup, a história se desenrola à medida que Jamal vai reconstruindo sua vida em flashbacks para justificar seus acertos no game televisivo. E aqui entra a dúvida machadiana: tudo é fruto da cabeça de Jamal. Até que ponto as coisas aconteceram realmente da forma como ele descreve?

A metáfora do acaso, ou destino, e da falta de controle que temos sobre os rumos da própria vida é perfeitamente representada pelo jogo de televisão. Jamal não é um gênio ou, até onde sabemos, um trapaceiro. Por ‘estar escrito’ que seria assim ele foi desafiado apenas com perguntas as quais sabia as respostas. E há uma cena emblemática a respeito. Numa das primeiras perguntas, considerada fácil, o jovem pede ajuda à platéia. Revendo o vídeo na sala de interrogatório, o inspetor argumenta que qualquer criança de cinco anos saberia a resposta. O contra-argumento do jovem é direto: “o senhor sabe o preço do prato típico da vila onde nasci? Diante da negativa do inquisidor, ele completa: “Qualquer criança de cinco anos da minha comunidade saberia responder”.

Cada uma das perguntas do Quiz remete a um episódio da vida de Jamal, cronologicamente da infância à juventude. Da sua relação conturbada com o seu irmão mais velho, Samir, e da busca incessante pelo amor de sua vida, Latika. Os personagens crescem na periferia de uma violenta Mumbai (e aqui há alguns momentos que remetem a filmes como Cidade de Deus, com uma violência extremada já incorporada ao cotidiano das pessoas e as cenas rápidas e nervosas em vielas e becos que retratam uma miséria absoluta) que se desenvolve “para se tornar o centro do planeta”, como diz um dos personagens, mantendo a desigualdade típica de países do terceiro-mundo. Mas o cineasta inglês Danny Boyle (diretor de “Trainspotting” e “A Praia”) abandona a crítica social para dizer, por meio da história do jovem indiano, que por mais que sejamos reféns do destino ou do acaso, o rumo das nossas vidas depende, primordialmente, das nossas escolhas.




Pedro Grossi

2 comentários:

Anônimo disse...

Que belo texto, Pedroca! Fiquei mto afim de ver o filme, prova do de que realmente está bem escrito! Prova tb de q vc é o que menos trabalha nesta FSB. haha Adorei!

Raquel

Filipe Abreu disse...

Legal o texto e a análise do filme. Bela conclusão Pete. SLUMDOG é, pra mim, disparado o melhor filme de 2008. Deixou o BENJAMIN BUTTON no chinelo. Falta só confirmar a fase amanhã no Oscar.