quinta-feira, 19 de março de 2009

Religião não se discute


Paixão e bom senso não se bicam. Onde um está o outro geralmente passa longe. E, nesse momento, o meu bom senso deve estar dando uma volta pela Antártida ou talvez em Marte, filosofando com o Dr. Manhattan. É tudo verdade: as intervenções teatrais muitas vezes flertam com o ridículo, as coreografias performáticas e os coros onomatopéicos são odes à cafonice, mas há esse pequeno componente chamado paixão que defenestra o bom senso e coloca tudo em uma nova perspectiva transformando o show do Iron Maiden em um ritual quase transcendental.

A procissão de ordeiros camisas-pretas que antecede uma apresentação parece de fato indicar o início de alguma celebração religiosa. O que não está muito longe da verdade. Santificado no universo do metal, o Iron é visto com uma reverência quase xiita. A banda alcançou aquele status do qual em seu nome se pode queimar hereges em praça pública ou estourar o próprio corpo repleto de bombas, que sempre haverá defensores fervorosos. Felizmente, as intenções do grupo são menos messiânicas, embora a sensação de expurgo de demônios que se tem ao sair de uma ‘sessão’ do Iron seja a mesma descrita por aqueles crentes que se contorcem em pregações religiosas.

Se a comparação for com o esporte, o Iron Maiden seria um time de futebol que ganha sempre de goleada. E que torcida não sonha com isso? Já na seara musical as comparações são mais difíceis. As guitarras gêmeas (no caso, trigêmeas) remetem a Wishbone Ash e há quem diga que as melodias tenham inspirações clássicas. Mas o que é interessante perceber é que no supermercado do universo pop (como diria meu amigo de Orkut, Terence) o Iron ocupa sozinho uma prateleira inteira. Com mais de 30 anos de estrada, não se tem notícia de que a banda tenha surfado nas ondas dos modismos, e talvez essa lealdade com a própria história sirva um pouco para justificar a fidelidade canina de seus fãs. Num mundo angustiado com guerras, depressões internas e ameaças tecnológicas, o Iron sempre foi um porto seguro. Como voltar pra casa depois de um cansativo dia de trabalho. Ainda que fazendo o mesmo som há décadas – apenas para fim de generalizações, porque no frigir dos ovos há sensíveis mudanças musicais ao longo dos anos – e servindo de inspiração para gerações de músicos de garagem, a banda não tem imitadores relevantes (por respeito ou incompetência) e não é expoente de nenhum subgênero musical – como já foi do NWBHM, no começo da carreira -. Iron Maiden é quase um estilo isolado, que evolui a seu próprio tempo, ignorando as indicações do mercado e as tendências de comportamento e consumo.

Se hoje você pegar um disco dos ingleses, certamente não vai encontrar nele as sementes de uma revolução ou algo que aponte para o futuro da música, mas, sem sombra de dúvida, vai se deparar com um pouco da essência daquilo que já se produziu de melhor no mundo dos acordes.

Mineirinho 18/03

É um daqueles momentos que já nasce histórico antes mesmo da ‘bola rolar’. Se sente no ar que aqueles instantes serão reproduzidos por anos em milhares de conversas de bar ou chats de internet. Cada um tentando se destacar para fazer parte da história. “Vi quando eles chegaram”. “Peguei uma das baquetas”. “Era o meu aniversário”. “Era a minha festa de despedida”. Esse caráter histórico se perpetua no tempo, já o alto preço dos ingressos e a acústica sofrível vão perdendo espaço na nossa memória seletiva.

As duas primeiras músicas (“Aces High” e “Wrathchild”) só consegui ouvir graças a minha, digamos, memória muscular. É que já as ouvi tantas vezes que meu cérebro completava sozinho os zumbidos graves que saiam das PA’s. A partir de “Children of the Damned” – uma das minhas prediletas – o som finalmente ficou mais audível, em parte porque desenvolvi uma revolucionária técnica de acústica manual, que consiste basicamente em, ora fazer formato de concha com as mãos em volta dos ouvidos, ora tapá-los, com mais ou menos força.

A visão de um mar de gente literalmente transpirando felicidade realmente é algo que emociona. Por mais que você tente se fazer de durão é inevitável ouriçar os pelos ao ouvir a introdução de “Wasted Years” ou de “Hallowed be thy name” e, largando o receio de parecer patético (o bom senso está longe, lembra-se?), você acaba entrando de bom grado nos coros onomatopéicos e rasga o gogó como se não houvesse amanhã. Abraça desconhecidos e comemora como um gol ao menor sinal de que mais um clássico se avizinha. Sai como se tivesse tirado um peso das costas, até que aos poucos os problemas do mundo começam novamente a se acumular no lombo. Mas só até o próximo momento histórico. E que ele venha logo!






Pedro Grossi

3 comentários:

Marcelão disse...

Texto de qualidade Sr. Grossi. Gostei principalmente de algumas comparações.

Anônimo disse...

Long Beach é aqui.

Ótimo texto.

Anônimo disse...

Adorei o jeito q vc escreveu! Acho que o próximo texto deveria ser sobre darwinismo musical, até mesmo pq na minha humilde opinião, o que vc chama de coros onomatopéicos é somente barulho. Seria isso a evolução? haha (e vem ai a edição de aniversário da 'Indústria de Minas')
Raquel