terça-feira, 25 de maio de 2010

Last words about Lost




Já nos primeiros episódios era possível perceber a premissa genial. Um bando de personagens cai em uma ilha – até então – deserta e são colocados em confronto com seus demônios pessoais trazidos na bagagem. Os episódios foram revelando personagens complexos que, expostos a situações extremas, eram obrigados a mostrar o melhor e o pior da própria natureza. A Ilha, nessa altura ela mesma um personagem, dava a oportunidade do recomeço. Uma metáfora perfeita da redenção.

A genialidade não estava na rapidez dos diálogos, nos maneirismos estéticos da edição ou na atuação precisa dos atores. O “pulo do gato” era a ousadia narrativa. Flashbacks da vida pregressa dos náufragos (?) eram costurados brilhantemente com a realidade apresentada na Ilha. Era alta costura. E alta literatura. Foi ficando cada vez mais claro que estávamos testemunhando algo revolucionário.

Nem era preciso terminar cada episódio com alguma revelação/mistério sobre a natureza daquela ilha. Aquilo importava somente para dar alguma carga dramática à história dos personagens. A coisa ganhou corpo e o programa foi se tornando um belo romance de ficção científica. O mecanismo dos flashbacks foi usado como uma ferramenta precisa para desconstrução de conceitos e desmistificações. Não havia maniqueísmo do bem contra o mau os dos injustiçados versus opressores. Não era uma saga de libertação, mas de auto-conhecimento. Apesar de tudo, não era um programa sobre mistérios, era um programa sobre pessoas.

Nas temporadas seguintes Lost saiu da perigosa zona de conforto para mais uma vez se reinventar. Além dos eficientes flashbacks, começaram a ser usados os flashfowards. E depois não eram acontecimentos do passado ou do futuro determinando o presente, mas era o próprio fim do conceito de tempo. A capacidade de se reestruturar narrativamente a cada nova temporada talvez tenha afastado alguns telespectadores que não estiveram dispostos a entrar na viagem, que definitivamente não traria desfechos fáceis ou faria concessões estéticas. Mesmo que aqui ou ali a gente pudesse ver alguns excessos, era louvável testemunhar que um produto da grande indústria cultural, com alto investimento, tivesse conseguido autonomia de voo suficiente para contar sua história da forma menos convencional possível.

No episódio final, a confirmação de que o que realmente importava era a história daqueles personagens. Foi bonito ver os arcos dramáticos se concluindo com coerência. Foi emocionante olhar pra trás e ver que tudo estava se concluindo. Foi triste constatar que era o fim, mas foi boa a sensação de que valeu a pena ter investido tanto tempo nessa história. E embora esperasse saber o que tivesse acontecido com Walt ou ter uma ideia mais clara de quem construiu a estátua de Tuaret, admito resignadamente que as perguntas valem mais que algumas respostas. Muitas vezes a beleza está no véu erótico da dúvida e não na pornografia escancarada da verdade imposta. É interessante que o público tenha autonomia para amarrar algumas pontas da história. Porque se existe uma moral é a de que a redenção está no livre arbítrio e no poder das escolhas e não em soluções cartesianas e matemáticas.


Pedro Grossi

2 comentários:

Anônimo disse...

I consider, that you are not right. I can defend the position.

Fernando Alves disse...

Bravo!