
Numa das primeiras aulas que tive no curso de jornalismo, lembro do meu professor de teatro, depois de horas discorrendo sobre a peça Romeu e Julieta, dizer que a obra era sobre o amor. Pensei: Duas horas de explicação pra depois você resumir tudo em uma palavra?
Meu raciocínio na época era que se toda história tinha uma moral, de uma ou duas frases, bastava dizer o desfecho edificante e jogar fora todo o resto. Eu não pretendia deixar de ler, ver ou ouvir histórias, era apenas um raciocínio hipotético de alguém que estava tentando entender melhor um monte de coisas. Como nunca cheguei a fazer a pergunta ao professor também nunca ouvi a resposta, mas, apesar de continuar sem entender um monte de coisas, já consegui esboçar uma solução pra minha dúvida. O valor das histórias não está em sua moral, mas na sua evolução. No carisma dos personagens e na identificação que criamos com seus medos e angústias. No universo criado e no qual temporariamente mergulhamos. Nos sofrimentos e dramas compartilhados, como se já não os tivéssemos em número bastante. Tudo para sentir o gosto da vitória no final. Para se entregar a um enredo que privilegie os bons e puna os maus. Para fugir da realidade e para encará-la ainda mais de perto. Se algo nisso tudo é dispensável, é a tal da moral. Grosseiramente falando o ensinamento de
Wall E é: Preserve a natureza ou acabaremos em uma montanha de lixo. No entanto, para se chegar a essa conclusão nada complicada tem-se um dos melhores filmes de animação de todos os tempos.
A primeira meia hora supreende por dois motivos. Primeiro pela sublime visão pós apocalíptica da Terra. Arranha-céus de lixo compactado e nuvens de poluição são verdadeiras poesias visuais. Méritos para a direção de arte e para a excelente trilha sonora que sempre acerta o tom. A segunda supresa vem pela falta de diálogos. Os personagens falam com o corpo, sobretudo com os olhos. Por algum motivo, o pequeno robô Wall E (Waste Allocation Load Lifter-Earth-Class) foi deixado na Terra, depois que ela se tornou inabitável devido à poluição. Wall E foi projetado para compactar e empilhar lixo, função inútil já que a humanidade vaga sem rumo refugiada em naves espaciais. Ainda assim, ele continua cumprindo fielmente a sua função. Garimpando nas montanhas de entulho objetos que tragam um pouco de vida à sua solitária existência, Wall E constrói um lar. É tocante o seu apego por uma velha fita, que ele toca em um Ipod conectado a um vídeo cassete, do musical "Alô Dolly!", de 1969. Vendo o filme repetidas vezes, ele sonha, assim como fazem os atores do musical, em dançar de mãos dadas com alguém.
Na segunda parte do filme o seu sonho se mostra possível. Uma pequena robô chamada Eve (Extra- Terrestrial Vegetation Evaluator) é trazida à Terra para fazer um levantamento da situação do planeta. Só aí surge o primeiro diálogo do filme. E que diálogo! A cena dos dois robôs se apresentando - um ensinando ao outro a pronúncia correta do próprio nome - é simplesmente sensacional. Wall E mostra a Eve sua casa e o seu filme predileto. De repente "La vie en Rose" da francesa Édith Piaf na voz de Louis Armstrong. (Será que é mesmo um filme infantil?)
Eve volta para o espaço sideral e Wall E vai atrás dela no cruzeiro espacial onde os humanos se refugiam. Enquanto a humanidade se robotiza seguindo caminhos pré-programados como se fossem dados em um chip de computador os robôs se humanizam: sofrem, têm medo, compaixão, alegria, curiosidade.
O filme reúne as formas clássicas dos desenhos da Disney com a agilidade e inventividade das animações da Pixar. O resultado é assombrosamente bom. E que, para o nosso bem e para o bem do cinema, eles continuem se superando.