quarta-feira, 9 de julho de 2008

Wall E


Numa das primeiras aulas que tive no curso de jornalismo, lembro do meu professor de teatro, depois de horas discorrendo sobre a peça Romeu e Julieta, dizer que a obra era sobre o amor. Pensei: Duas horas de explicação pra depois você resumir tudo em uma palavra?
Meu raciocínio na época era que se toda história tinha uma moral, de uma ou duas frases, bastava dizer o desfecho edificante e jogar fora todo o resto. Eu não pretendia deixar de ler, ver ou ouvir histórias, era apenas um raciocínio hipotético de alguém que estava tentando entender melhor um monte de coisas. Como nunca cheguei a fazer a pergunta ao professor também nunca ouvi a resposta, mas, apesar de continuar sem entender um monte de coisas, já consegui esboçar uma solução pra minha dúvida. O valor das histórias não está em sua moral, mas na sua evolução. No carisma dos personagens e na identificação que criamos com seus medos e angústias. No universo criado e no qual temporariamente mergulhamos. Nos sofrimentos e dramas compartilhados, como se já não os tivéssemos em número bastante. Tudo para sentir o gosto da vitória no final. Para se entregar a um enredo que privilegie os bons e puna os maus. Para fugir da realidade e para encará-la ainda mais de perto. Se algo nisso tudo é dispensável, é a tal da moral. Grosseiramente falando o ensinamento de Wall E é: Preserve a natureza ou acabaremos em uma montanha de lixo. No entanto, para se chegar a essa conclusão nada complicada tem-se um dos melhores filmes de animação de todos os tempos.

A primeira meia hora supreende por dois motivos. Primeiro pela sublime visão pós apocalíptica da Terra. Arranha-céus de lixo compactado e nuvens de poluição são verdadeiras poesias visuais. Méritos para a direção de arte e para a excelente trilha sonora que sempre acerta o tom. A segunda supresa vem pela falta de diálogos. Os personagens falam com o corpo, sobretudo com os olhos. Por algum motivo, o pequeno robô Wall E (Waste Allocation Load Lifter-Earth-Class) foi deixado na Terra, depois que ela se tornou inabitável devido à poluição. Wall E foi projetado para compactar e empilhar lixo, função inútil já que a humanidade vaga sem rumo refugiada em naves espaciais. Ainda assim, ele continua cumprindo fielmente a sua função. Garimpando nas montanhas de entulho objetos que tragam um pouco de vida à sua solitária existência, Wall E constrói um lar. É tocante o seu apego por uma velha fita, que ele toca em um Ipod conectado a um vídeo cassete, do musical "Alô Dolly!", de 1969. Vendo o filme repetidas vezes, ele sonha, assim como fazem os atores do musical, em dançar de mãos dadas com alguém.

Na segunda parte do filme o seu sonho se mostra possível. Uma pequena robô chamada Eve (Extra- Terrestrial Vegetation Evaluator) é trazida à Terra para fazer um levantamento da situação do planeta. Só aí surge o primeiro diálogo do filme. E que diálogo! A cena dos dois robôs se apresentando - um ensinando ao outro a pronúncia correta do próprio nome - é simplesmente sensacional. Wall E mostra a Eve sua casa e o seu filme predileto. De repente "La vie en Rose" da francesa Édith Piaf na voz de Louis Armstrong. (Será que é mesmo um filme infantil?)

Eve volta para o espaço sideral e Wall E vai atrás dela no cruzeiro espacial onde os humanos se refugiam. Enquanto a humanidade se robotiza seguindo caminhos pré-programados como se fossem dados em um chip de computador os robôs se humanizam: sofrem, têm medo, compaixão, alegria, curiosidade.

O filme reúne as formas clássicas dos desenhos da Disney com a agilidade e inventividade das animações da Pixar. O resultado é assombrosamente bom. E que, para o nosso bem e para o bem do cinema, eles continuem se superando.





8 comentários:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Anônimo disse...

Lindo, lindo, lindo esse texto que da uma volta por Romeu e Julieta, jornalismos para iniciantes e filmes infantis tocantes para chegar a sua moral!

E aposto que ainda será "lindo, lindo, lindo" quando vc for rele-lo daqui a 30 anos e pensar "eu ja era o maximo, mas a Fernandoce, putz! Por esse comentario ninguem imaginaria que ela se tornaria a escritora milionaria e bem sucedida que é hoje"

E comprarei uma mamadeira para compartilhar essa Espera Feliz com vc hehe

Filipe Abreu disse...

WALL-E é realmente fascinante. E garanto que o ponto do seu texto que eu mais gostei foi quando perguntou se o filme é mesmo pra criança. É uma tecla na qual eu venho batendo há muito tempo.

A Pixar vem fazendo filmes cada vez mais amplos, para todas as idades. Mantém a "fórmula" e as características que agradam as crianças, mas insere um tom e adereços para adultos. Vide Os Incríveis, Ratatouille e agora WALL-E.

Você foi muito bem Pedro, como sempre. E concordo que WALL-E é muito disso ai mesmo. Outro grande longa da Disney/Pixar e desde já favorito ao Oscar.

Agora uma opinião particular: prefiro Ratatouille. Pra mim, o melhor da Disney desde O Rei Leão.

Alexei Fausto disse...

Realmente, filme fascinante.

faz você pensar de diversas formas.

Anônimo disse...

Mostra que sensibilidade e cinema comercial não são fatores necessariamente excludentes. E que o Wall-E é o que restou do Johnny 5 após 800 (22) anos. Muito bom filme.

Higiene Mental disse...

É. Ele é uma mistura de Charles Chaplin, Johnny 5 e E.T

Bee-a disse...

Posso dar a minha opinião? =)

Wall-e é mesmo um desenho fascinante.. pelo menos na primeira parte. O fato de ser (até aí) um filme praticamente mudo me surpreendeu bastante; a expressão de olhares dos robôs é de fazer inveja a muitos atores por aí e a trilha sonora é fantástica. O protagonista, Wall-e, é um personagem que representa com muita delicadeza a possibilidade de se ressignificar as situações da vida. Apesar de ser um robô inútil, estabelece relações de afetividade com o lixo e monta, na sua casa, uma realidade singular, em que o que era descartável vira objeto de valor - e de amor - ao ser descolado da funcionalidade.
Mas toda essa magia se perde, para mim, a partir do momento em que os humanos entram no filme e todos os clichês do cinema se reproduzem... mistura de ação, agilidade e aventura, reunidos num final feliz e previsível.
Ainda assim, acho o filme fantástico pelos primeiros 30 minutos, que valem todo o resto.

Gostei muito da sua resenha, embora não concorde totalmente! Me fez pensar mais sobre o filme e acredito ser essa a idéia...
Um abraço!

Higiene Mental disse...

Oi, Bia,
Concordo que o terceiro ato se vale de alguns habituès cinematográficos. Acho inclusive que a cena da fama recém conquistada por Wall E, em que ele é ovacionado pelos gordinhos depois de salvar a plantinha, é dispensável e depõe contra o filme. Confesso que o final felizinho também me incomodou um pouco.Mas não deixa de ser ótima e criativa a visão tragicômica e verossímil do futuro da humanidade.
Valeu demais pelo seu comentário!
Abraços