sábado, 3 de janeiro de 2009

Cruzeiro - 88 anos

Nelson Rodrigues (Jornal dos Sports, 09 dezembro 1966) “Depois da vergonha e da frustração da Copa do Mundo, nenhum acontecimento teve a importância e a transcendência da vitória de anteontem. Por outro lado, não foi só a beleza da partida, ou seu dramatismo incomparável. É preciso destacar o nobre feito épico que torna inesquecível o feito do Cruzeiro. Não tenhamos medo de fazer a sóbria justiça: aí está, repito, o maior time do mundo.”

 O feito épico a que se refere o dramaturgo é o título brasileiro de 66. Um sonoro 6 a 2 em um Mineirão repleto e um 3 a 2 (de virada) em uma tempestuosa São Paulo, contrariando todos os prognósticos da imprensa nacional que apostava em um troco a altura do então melhor time do mundo. A vantagem de dois gols que os santistas abriram no primeiro tempo até fez crível a previsão, mas a virada não tardou. Como conta o craque Tostão, que ainda perdeu um pênalti antes de fazer um gol de falta naquela partida: “Se houvesse mais cinco minutos de jogo faríamos 6 x 2 de novo, tamanho descontrole emocional do Santos”. Aos que dizem que a conquista da Taça Brasil não vale como Campeonato Brasileiro, respondo: pormenores! Essa não é a questão. O ponto é que indiscutivelmente após o nascimento daquele time mágico o futebol mudou de eixo. O então torneio Roberto Gomes Pedrosa Rio-São Paulo virou Robertão e abraçou times mineiros, sulistas e nordestinos. Não dava mais pra ignorar a revolução iniciada em Minas. Nos limites do estado, a conquista, aliada ao surgimento do Mineirão um ano antes, representou uma nova era do futebol mineiro. Os dois times então mais populares da cidade assistiram a um crescimento estrondoso da torcida dos rivais celestes, capitaneada pelos lances geniais de Tostão, Evaldo e Dirceu Lopes. Foi ali também que nasceu a maneira cruzeirense de jogar futebol. Citando Tostão mais uma vez: “Enquanto os outros times eram prosa,o Cruzeiro era poesia”.

 A história, no entanto, começara 45 anos antes, nos arredores do Barro Preto. A representativa colônia italiana de Belo Horizonte marcou sua presença na cidade com a fundação da Sociedade Esportiva Palestra Itália. Forçado a mudar de nome por determinação do governo varguista, o clube chegou a se chamar Ipiranga. A intenção era buscar algo que representasse o país que tão bem acolhera aquele povo. Daí a sugestão do nome ser o mesmo do rio que sediou o célebre grito de independência. Mas o batismo definitivo só viria depois de uma inspiração buscada no céu.  O Cruzeiro do Sul, cantado no hino e desenhado na bandeira nacional, foi também guia do italiano Américo Vespúcio em sua expedição rumo à descoberta da América. Aquele era o símbolo perfeito para representar a transcendente e eterna ligação entre os dois povos.

 Dez anos e dois vice-campeonatos brasileiros depois, veio a conquista da América. A geração era outra, mas igualmente espetacular. Nelinho, Palhinha, o forasteiro Jairzinho. A vitória sobre o River Plate, em um jogo no Chile, apresentou o Cruzeiro ao continente. O Boca ainda ganharia de forma polêmica um campeonato continental em cima do Cruzeiro antes que começasse o inferno astral dos anos 80. Na década de 90, o apetite voltou: duas Supercopas dos Campeões da América. A última delas, um épico 3 x 0 sobre o mesmo River. A busca do placar quase impossível (necessário para a conquista) desnorteou a passional imprensa argentina que deu ao time mineiro a alcunha de La Bestia Negra. O título continental só voltaria em 97, naquele chute benditamente torto do Elivelton.

 Pelo Brasil, o Cruzeiro continuava a desafiar os catedráticos da imprensa nacional com conquistas espetaculares da Copa do Brasil. Uma seguida da outra. Quatro, no total. O título brasileiro veio oficialmente só em 2003, mas da melhor forma possível. Um futebol de encher os olhos e as redes dos adversários, bem ao estilo cruzeirense de jogar.

 Algumas derrotas também merecem entrar na história do clube. A final do mundial de 76 contra o Bayern, de Beckenbauer e Gerd Müller, é considerada por muitos como o melhor jogo da história do Mineirão, mesmo em um empate sem gols. Na partida de volta, em uma gélida Munique sob neve, o time alemão venceu por dois a zero. O vice-campeonato brasileiro de 75 contra o Inter de Falcão e Figueroa, foi responsável por alguns dos melhores momentos que o futebol brasileiro já viu.

A tônica é essa. Em perdendo ou ganhando, sempre pela poesia. E que outros tantos belos momentos estejam por vir.

Pedro Grossi

8 comentários:

Alexei Fausto disse...

Grandes momentos da história do futebol foram escritos por "vocês", sem dúvida.

somente quem tem um grande rival, pode realizar grandes feitos, sem o respeito pelo adversário, as façanhas se tornam menores.

por isso, tenho respeito por vocês.

pois só assim podemos perceber a importância das vitórias e lutar ainda mais após as derrotas.

Anônimo disse...

A história do Cruzeiro seria perfeita se nào fossem as inúmeras derrotas para o melhor de Minas Gerais: Clube Atlético Mineiro!



Carlos Gabriel

Filipe Abreu disse...

Que o Pedro é um dos maiores cruzeirenses que eu conheço, não é novidade. Portanto, tirando a parte torcedora-parcial (hehehe, sacanagem), o que ele disse é pura verdade.

A propósito, mais um belo texto Pedrão. O Cruzeiro merece respeito por sua história e seus feitos. A conquista da Taça Brasil é um marco, mas não um Campeonato Brasileiro - seria mais uma edição da Copa do Brasil.

O nacional de 2003 foi fantástico, fiquei puto, mas paciência.

Para mim, só faltou um detalhe, o Cruzeiro não vive sem o Atlético. Se não fosse o Galo, os azuis-celestes jamais teriam tomado o posto do América de segundo clube do Estado (hehehe). Aliás, o Galo também não vive sem as Marias. Um depende do outro.

Bernardo Esteves disse...

Em 88 anos fizemos o que o Atlético não fará em 200. Paciência.

Anônimo disse...

Corroboro o Filipe sobre a importância que se dá ao rival na cultura futebolística brasileira, fato que cresceu com décadas e se tornou o principal combustível do fanatismo burro (semi-redundância) e da violência entre torcidas.

Isso fica ainda mais claro quando o contexto regional é monopolizado por dois pólos, como em Minas Gerais.

O que acho curioso é como a rivalidade do Atlético contra a Raposa, na grande fase do time alvinegro do fim dos 70 e início dos 80, foi migrada em direção ao Flamengo e a alguns outros times de fora do estado.

Em contrapartida, na era de ouro de meados dos anos 90 até 2003, de duelos inesquecíveis contra o Palmeiras ou da "guerra fria" frente ao Grêmio, os cruzeirenses nem sequer cogitaram deixar de mirar o Galo, sob qualquer circunstância.

Bobagens de torcedor à parte, esse é mais um dos motivos que sempre me fizeram acreditar que, historicamente, o Cruzeiro não vive sem o Atlético, mais do que inverso. Alguma sorte de ressentimento tardio que nunca consegui compreender.

JOÃO RENATO disse...

O Cruzeiro não tem 88 anos, foi fundado em 1942, e só passou a valer em 1965, na tal era Mineirão que inventaram. E se for pra construir a história em cima dos finados times que o Cruzeiro já foi, cadê o escudo do Ypiranga ali?

Pedro Grossi disse...

Rico de história e simbolismo deve ser o escudo do Atrético. Aliás boa oportunidade pra me explicar. O que siginificam as listras verticais pretas e brancas e qual a origem e significado do enigmático nome Clube Atlético Mineiro, que veja você, já foi Atlético Futebol Clube.
Mudou de nome, mas continuou sem significar nada

JOÃO RENATO disse...

ô Pedrão, quando for tripudiar um outro time, dá uma estudada. Não sabe o que significa Atlético? Tá lá no dicionário ué. E o Atlético chamava Athlético Mineiro Football Clube. Nunca teve nome copiado de time de SP.

Agora Cruzeiro que é misterioso. É por causa da revista do Diários Associados que já acabou? Do dinheiro que não vale mais nada? Cópia do Cruzeiro do RS? Pq se for da constelação, ficou faltando um "do Sul" no nome aí... enquanto isso, o pobre Ypiranga continua ignorado.