terça-feira, 11 de dezembro de 2007

Revolução televisionada

Punk rock = três acordes + anarquia. Rasa, essa é uma equação que ainda reina soberana nos antros do inconsciente pop coletivo. E para testar sua falibilidade não é preciso ir muito longe. Mais precisamente à rua Bowery, quase esquina com Bleecker Street, ao sul de Manhattan. Onde hoje repousa o ex-locus do histórico CBGB.

Há três décadas, o boteco transformado em sinônimo de punk 77 procriou nomes tão díspares quanto Ramones, Blondie, Talking Heads e Patti Smith. A chamada “Blank Generation”, que também abarcava o Television. O responsável pela subversão de lugares comuns antes mesmo de serem tratados como tal. Sob a tutela de Tom Verlaine e Richard Lloyd, já sem a presença do baixista Richard Hell, o quarteto nova-iorquino formado em 73 enfurnou-se em estúdio por longo inverno para esmiuçar aquela que seria sua estréia. Uma expectativa de produção interessante mirada a quem consumia em parelhas proporções literatura, rock básico, John Coltrane, Yes e música erudita.

“Marquee Moon” veio à praça sob sucesso pleno de crítica e um mais contido de público. Talvez pela velocidade intrínseca em que tudo acontece em NY, por tratar-se de mais um debut, ou quem sabe por pura ironia o álbum tenha passado refugado. Acontece que ele repaginou um tipo específico de abordagem guitarrística. Algo não exatamente novo, mas incompatível ao “primitivismo” de boa parte da incipiente produção daqueles tempos. Na tradução: faixas longas, instrumental sofisticado, traquejos de jam-bands, e, ainda assim, com uma coerência melódica e harmônica surpreendente.

O disco reflete parte da vibe de sua época, mas o que o distingue é exatamente a orientação às seis cordas. Cortesia do entrosamento e destreza incomuns de Verlaine e Lloyd. A dobradinha reponde pela adaptação ao universo alternativo do já antiquado arquétipo do guitar hero - que na verdade nunca saiu de moda. Aqui, numa avalanche de texturas dobradas, ora suaves ora obcecantes, dispostas em duelos de fraseados, escalas, pausas, solos e até em acordes atonais. Aula de como as arestas de um Velvet Underground poderiam ser aparadas pelas guitarras de um Wishbone Ash. À frente, o vocal bambo de Tom urge um sentimento de desapego em letras que passeiam de Rimbaud à Lou Reed. Enquanto, ao fundo, o baixo elegante de Fred Smith e a bateria inteligente de Billy Ficca costuram a tela para a filtragem de referências.

"See No Evil” e “Venus”, com arranjo transposto do piano às guitarras, abrem o estrago de maneira até certo ponto ortodoxa. “Friction” dá continuidade ao brilho cromático, mas com um belíssimo interlúdio que quase leva à hipnose. O transe segue e a banda se encontra na progressão de movimentos da faixa-título, encarnação urbana e involuntária do clima de improvisação psicodélica, sem nunca perder o foco. E após “Elevation”, a corrente rui em três faixas: “Guiding Light”, a balada cinquentista que não se furta da tensão característica do grupo; “Prove It”, de arpejos e cadência que remetem à Ventures; e “Torn Curtain”, esparsa e refutando acordes maiores para oferecer contraste e manter a angústia.

Hoje, “Marquee Moon” respira vivo e influente, inalando ares de diversas searas sem deixar de soar independente. Com ele, o Television acenava ao futuro para só ser devidamente redescoberto mais de vinte anos depois. Já no grau de banda “cult”, de grandes e escassos álbuns de estúdio (no caso, apenas mais um, “Aventure”). O lado bom da história é o benefício da dúvida quanto a um hipotético futuro. Paralelos aos bons vôos solos de Lloyd e Verlaine, um par de anos a mais não teria feito mal a ninguém.


Television - Marquee Moon (1977)


01. See No Evil - 3:53
02. Venus - 3:51
03. Friction - 4:44
04. Marquee Moon - 10:40
05. Elevation - 5:07
06. Guiding Light - 5:35
07. Prove It - 5:02
08. Torn Curtain - 6:56

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Leonardo Rodrigues

Um comentário:

Anônimo disse...

como será que a banda entra na era do high definition?