domingo, 30 de dezembro de 2007

Um sonho de liberdade

A idéia de abandonar tudo (as regras sociais, as pressões por sucesso e resultado, o futuro seguro) a mim sempre soou bem. Acho inclusive que esse deveria ser um rito de passagem da nossa sociedade: Viver isolado por dois anos extraindo da terra todo o necessário à sobrevivência em um processo de auto-conhecimento e auto-aperfeiçoamento. Se isso de fato fosse uma realidade imagino que eu e a maioria de nós sucumbiria antes que a terra desse a segunda volta no sol. A evolução nesse quesito é falha: selecionou os mais inaptos, sedentários e preguiçosos. O ser humano, topo da cadeia alimentar, é, em geral, incapaz de ligar um fogão sem acendedor automático, o que dirá viver uma vida selvagem de privações.

Minha jornada solitária para os recônditos da alma e para as entranhas da mãe natureza sempre foi adiada por motivos banais e tolos: um CD recém lançado, um filme em cartaz ou o time do coração disputando uma partida de importânica média. Sou um perfeito idiota, típico protótipo terceiromundano dependente dos subprodutos da extração de minério de ferro, resultado de anos de lixo cultural despejados em um fogo aventureiro cada vez mais brando. Meu sonho de redenção ainda não morreu, no entanto. É um desejo real, mas distante, como conhecer o museu do Louvre ou passar uma temporada em Praga.

Toda essa introdução autobiográfica apenas pra dizer que um pouco da minha fome por liberdade foi saciada com a história de Chris McCandless, contada no livro "Na natureza selvagem" (Into the wild) do jornalista norte-americano Jon Krakauer, leitura que recomendo veementemente.

Vamos à sinopse: Chris era um jovem brilhante e bem nascido. Aluno exemplar do curso de direito da faculdade Emory, do Estado da Virgínia e filho de um respeitado cientista da NASA. Um futuro sem percalços nem contratempos se desenhava em linhas firmes. No entanto, essa era a vida da qual Chris sempre fugira. O ideal revolucionário, hippie ou beatnik que em nós se manifesta em atitudes autodestrutivas ou efetivamente nulas de significado , em Chris se canalizou em isolamento e contemplação, na velha máxima de que a primeira revolução é a interna. Sua jornada não tinha data para acabar nem planos de se transformar em best seller. Suas motivações foram pueris e corriqueiras. A personificação da ingenuiade e inocência que todos nós tivemos um dia fez com que sua vida se tornasse ela mesma um romance de alcance universal. Uma história que se não fosse resgatada por Krakauer estaria perdida pra sempre nos confins do Alasca.

Depois da formatura, Chris avisa à família que vai sair em uma viagem. Os 24 mil dólares que tinha na poupança são doados a uma instiuição de caridade, assim como a maioria dos seus pertences. O carro é deixado meio à contragosto na estrada e acaba nas mãos de sortudos guardas florestais. De carona pelos Estados Unidos, Chris vai em direção ao seu derradeiro objetivo: o Alasca. Arrumando empregos temporários e construindo grandes amizades pela estrada, ele vai seguindo seu caminho. Um vagabundo eremita anti-social simpático e inteligente como poucas vezes se viu perambulando pelas estradas norte-americanas. O nome já não era mais Chris McCandlles, mas Alex Supertramp, um sujeito orgulhoso da sua independência material e da sua comunhão com a natureza. A aventura filosófica acabou dois anos depois em um ônibus abandonado no que outrora havia sido um esboço de estrada. Seu corpo foi encontrado em decomposição dentro do saco de dormir dias depois da sua morte. As conclusões precipitadas e simplistas logo reproduziram um jovem incoseqüente e arrogante que teve o fim que merecia, mas a reportagem minunciosa de Jon Krakauer revela a real história de alguém que teve a coragem de buscar seu sonhos em vez de deixá-los morrer por inanição.

Quando terminei de ler o livro fiquei obcecado com a idéia de fazer um filme sobre a viagem de Chris, mas felizmente alguém com mais iniciativa, dinheiro e uma rede de contatos mais eficiente que a minha também teve essa idéia. Foram quase 10 anos de luta para transformar o best seller, que ficou 130 semanas na lista de mais vendidos do The New York Times, em filme. Sean Penn escreveu e dirigiu Into the wild, lançado em setembro nos Estados Unidos e que deve sair no Brasil em fevereiro de 2008. Para fazer o longa, Sean Penn fez questão de usar como locação exatamente os mesmo lugares por onde Chris passou durante sua viagem. A trilha original foi quase toda composta e interpretada por Eddie Vedder e o diretor de fotografia é o mesmo que trabalhou em Diários de Motocicleta. Um dos grandes lançamentos de 2008.

Pedro Grossi

3 comentários:

Alexei Fausto disse...

ótimo livro, espero que seja um bom filme!

Drin disse...

bora morar em caraíva?
rs

Anônimo disse...

O livro eu ainda nao li, mas o filme é, sem duvida, incrivel. As reflexoes de Alex Supertramp (que as vezes se confunde com Chirs McCandlles, mas em outras é um ser humano unico e completo) dariam um estudo para a antropologia, a sociologia, a psicologia ou qualquer outra logia humana pq ele é realmente é digno de ser humano.
Eu concordo com vc que a ideia da vida hippie ou livre dos padroes foi sempre tentadora, mas eu me realizaria com os dois anos de viagem pelos EUA, sem a grande aventura. Acho que poucas pessoas teriam a coragem de viver sozinho por tanto tempo sem medo de se assustar com quem iriam ser / sao.
E o final do filme deixa bem claro que so sozinhos nos podemos resolver nossos problemas com os outros, pq esses problemas, na verdade, sao so nossos. Essa liçao é mesmo fantastica.
A outra liçao estupenda do filme é que vegetarianismo sucks! yeaaah!