segunda-feira, 30 de abril de 2007

Aqui se paga

Há muito se esperava pelo dia de ontem. Não pelo placar em si, pelos rompantes de euforia momentânea, ou pelo título praticamente garantido que pouco acrescenta à galeria do clube. Mas pela maneira como tudo aconteceu, a postura, a sinergia. Como se a tão panfletada garra atleticana nunca tivesse sido combalida por anos de frustrações. Deu gosto. Por cima da arrogância e apatia cruzeirense, não poderia ter sido melhor.


Leonardo Rodrigues

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Todd quem?

Experimente jogar o nome na roda: “Todd quem?” Os mais catedráticos podem até arriscar que se trata daquele produtor viajandão do New York Dolls e do Grand Funk Railroad, do cara que tem uma música na trilha de Vanilla Sky, ou que o sujeito em questão é o “ex-pai” da musa Liv Tyler. Ao sul do Equador, pouquíssimos têm a noção exata da dimensão da obra de Todd Rundgren. Dissidente do garageiro The Nazz e multi-instrumentista, ele pertence àquela linhagem que é quase impossível classificar. Passeia por terrenos tão diluídos que qualquer rótulo diz muito pouco. Guardadas as proporções, uma espécie de Frank Zappa menos erudito e bem mais palatável.

Com a chegada da década de 70, suas inquietações o fizeram embrenhar pela carreira solo. Estreou com “Runt” para em seguida passar com louvor na prova de fogo do segundo trabalho, “Runt: The Ballad of Todd Rundgren”. No entanto, para crítica e fãs, o “crème de la crème” coincide com o maior êxito comercial: “Something/Anything?”, lançado em 1972. Que se faça justiça, é uma época tão pródiga na produção em escala industrial de pilares do rock/pop, que talvez explique, em parte, a posição incrustada entre tantos outros clássicos. Para tal, uma estratégia no mínimo ousada. Um LP duplo, deliberadamente pop, de quatro excertos independentes. O produto de uma mente que não só compõe, mas canta, produz e toca todos os instrumentos. A pragmática das enciclopédias musicais contextualizaria a empreitada como glam, hard rock, prog, art. Mas na real, não é nada disso. Ou quem sabe, tudo isso e mais um pouco.

Os dotes “singer-songwriter” de Todd irrompem logo na abertura, sem pudores de pieguices comercias. Belíssimos arranjos e melodias ao piano compõem a faceta na qual ele parece sentir-se mais a vontade. Brotam pepitas como o hit-single inspirado em Carole King “I Saw The Light”, o soft-rock de “It Takes Two To Tango (This Is For The Girls)”, e até uma tentativa de emular a Motown em “Wolfman Jack”.

Girado o acetato, surge a “intro”, deslocada. Uma voz comanda uma série de efeitos sonoros e desafia o ouvinte a identificar cada um deles a partir daí. Exercício lúdico nomeado de ‘Sounds of the Studio’. Brecha para a outra face do músico de cabelos coloridos, a do artista visionário que mesmo atento às possibilidades que os artefatos tecnológicos têm a lhe oferecer, não abre mão do humor espirituoso e, porque não, da própria individualidade. Destaque para “Song Of The Viking”, homenagem às operetas de Gilbert e Sullivan, estilo revisitado pelo Queen anos depois.

No disco dois, rocks às vias do hard dividem espaço com baladas classudas. Impossível não ceder aos encantos de “Dust In The Wind” (nada de Kansas aqui) e “Torch Song”, delicadeza que no final das contas faz toda a diferença. E ainda, o power pop de “Couldn't I Just Tell You”, como se o “Straight Up” do Badfinger, que ele acabara de produzir, conhecesse um filhote bastardo. Para finalizar, a cereja do bolo. O último lado do acetato reserva Todd ao comando de uma banda completa, que ao vivo em estúdio dá pinceladas finais em tom de celebração juvenil. A mesma aura dos velhos tempos. Não à toa a inclusão de “Hello It's Me” - emprestada do repertório do Nazz – e do medley cover “Money (That's What I Want)/Messin' With The Kid”.

Fim de papo e a sensação de que foi-se o tempo em que a dobradinha simplicidade/inteligência não era artigo de luxo no showbizz. Depois de “Something/Anything?” o mundo passou por muitas primaveras sem que Todd Rundgreen deixasse de se reinventar. Flertou com o rock progressivo, comprou briga com John Lennon, formou o Utopia, ganhou status de produtor requisitado, chegou a gravar um disco em que o único instrumento era a sua voz. Mas entre altos e baixos, a primazia do álbum das rosas ainda está para ser igualada.


Todd Rundgren - Something/Anything? (1972)

Side one:
"I Saw The Light" – 2:56
"It Wouldn't Have Made Any Difference" – 3:50
"Wolfman Jack" – 2:54
"Cold Morning Light" – 3:55
"It Takes Two to Tango (This Is for the Girls)" – 2:41
"Sweeter Memories" – 3:36

Side two:
"Intro" – 1:11
"Breathless" – 3:15
"The Night the Carousel Burned Down" – 4:29
"Saving Grace" – 4:12
"Marlene" – 3:54
"Song of the Viking" – 2:35
"I Went to the Mirror" – 4:05

Side three:
"Black Maria" – 5:20
"One More Day (No Word)" – 3:43
"Couldn't I Just Tell You?" – 3:34
"Torch Song" – 2:52
"Little Red Lights" – 4:53

Side four:
"Overture-My Roots: Money (That's What I Want)/Messin' With the Kid" (Bradford, Gordy, Rundgren, Strong) – 2:29
"Dust in the Wind" (Klingman, Rundgren) – 3:49
"Piss Aaron" – 3:26
"Hello It's Me" – 4:42
"Some Folks Is Even Whiter Than Me" – 3:56
"You Left Me Sore" – 3:13
"Slut" – 4:03

quarta-feira, 25 de abril de 2007

Mais um ídolo pra minha coleção


Duas guerras mundiais, duas revoluções comunistas, Guerra Fria, ditadura militar, ataques terroristas...Um século que deixou marcas. E elas estão todas lá: no tom de voz arrastado, no olhar cansado, na respiração ofegante, na memória que às vezes falha. Personagens e personalidades que pra nós só existem nas bibliotecas, foram seus companheiros de bar, de noitadas, de conversas animadas. Desses encontros nasceram idéias que foram literalmente concretizadas. Que o diga Pampulha e Brasília e suas curvas em concreto armado.
Não sei se por paciência ou fragilidade Niemeyer não se importou com o circo que estava sendo armado. Spots de luz agredindo suas cataratas, quatro câmeras, montes e montes de fios passando por cima de livros, de uma caixa de charutos cubanos dada pessoalmente por Fidel e de uma bandeira do MST. A pequena sala, que até hoje recebe diariamente a visita do arquiteto, em nada lembra as cúpulas gigantes e curvas sinuosas das suas obras mais famosas. Não fosse a espetacular vista da praia de Copacabana, seria um escritório como muitos outros. Além de tê-lo feito esperar por mais de 1 hora, chegamos ao cúmulo de pedir que trocasse de camisa, porque o branco que ele sempre usa não era bem reproduzido pelas nossas modernas câmeras digitais. A nova camisa preta o deixou menos confortável, mas agradou aos urubus que somos em uma espécie de luto antecipado. Quando enfim a conversa começou pude parar com o conflito interno que me fazia sentir ora como um invasor que vinha se aproveitar da senilidade alheia, ora como integrante de um projeto que vai deixar para posteridade um registro valioso. Comecei então a prestar atenção nas palavras pronunciadas quase como um sussurro. No meio das histórias surgiam nomes como Sartre, Fidel Castro, Corbusier, Darcy Ribeiro, Prestes. Todos companheiros da luta ideológica que começou quando se filiou ao partido comunista em 1935, fato que considera como o mais importante da sua vida. Mesmo sendo testemunha de um século sangrento, é alguém que ainda acredita na bondade do ser humano (e eu que mal comecei a me decepcionar com a humanidade já estou prestes a jogar a tolha) e na idéia de que podemos nos dar as mãos. Romântico e sonhador. Último exemplar de uma época em que os sonhos ainda eram possíveis, antes que, parafraseando Homer Simpson, o peso do mudo quebrasse nosso espírito. Na minha cabeça vai ficar gravada pra sempre a imagem do seu corpo frágil se arrastando pra mesa do almoço, com o Pão de Açúcar ao fundo, enquanto nós, urubus que somos, lambíamos o resultado de toda essa invasão pra deixar pra posteridade um valioso registro.



Pedro Grossi