quarta-feira, 27 de junho de 2007

O cérebro do Pink

Quarenta anos de “Sgt. Pepper's Lonely Hearts Club Band”, festa mais do que merecida. Mas nunca é tarde para guardar balões e lembrar de repartir o que restou do bolo com outros notórios. “Magical Mystery Tour”, “Velvet Underground & Nico”, ”Are You Experienced”, “Forever Changes”, “Disraeli Gears”, “Smiley Smile”, "Younger Than Yesterday". A lista de 1967 é imensa, a influência não menos que seminal. E olhando ao redor, à periferia da revolução, era possível avistar um jovem inglês que se destacava em meio à enxurrada psicodélica. Roger Keith Barrett, ou Syd Barrett, a mente por trás (e por todos os outros lados) de “The Piper At The Gates Of Dawn”.

Ao lado dele, Roger Waters, Richard Wright e Nick Mason, então futuros membros do Pink Floyd e que já tocavam juntos, eram personas fáceis no underground londrino de meados da década de sessenta. Cena que tinha como fio condutor o existencialismo de Jean-Paul Sartre, a contracultura norte-americana emergente e o uso livre e indiscriminado de substâncias ilícitas. E nesse último quesito Barrett estava sempre a um passo à frente. Mesmo no posto de maior representante dos novos ares, tão logo ficou claro que as pretensões do quarteto formado em 65 iam muito além da efervescência cultural.

A libertinagem criativa de Syd trouxe novas perspectivas à banda, antes, como tantas, centrada em um repertório beat/rhythm and blues. Domar os instintos desta nova peça se tornou a grande dor de cabeça dos executivos da EMI quando ofereceram o primeiro contrato. À revelia dos músicos, o produtor Joe Boyd cedeu lugar a Norman Smith, ex-engenheiro de som dos Beatles e desde sempre encarregado em extrair o que havia de mais pop entre os aspirantes a sensação. Trabalho árduo e extremamente desgastante, principalmente quando a tarefa era costurar os pontos de um grupo como o Pink Floyd. Não havia nada parecido. Assistir a uma de suas apresentações era mergulhar em uma experiência extra-sensorial única. Em miúdos: teclados e guitarras à frente, temas explorados de maneira pouquíssimo ortodoxa e entrelaçados por longos improvisos dissonantes. Tudo guiado pelo senso melódico incomum de Syd Barrett, o responsável pela autoria de quase todas as músicas. Ao fundo, compunham o cenário projeções abstratas que mais pareciam simular os efeitos do consumo de alucinógenos. Psicodelia à moda inglesa, nem sempre multicolorida.

Concebido em Abbey Road, ao lado da sala onde os Beatles finalizavam “Sgt. Peppers...”, “The Piper At Gates Of Dawn” transformou para sempre os limites entre a vanguarda e o pop. Reza a lenda que Lennon e Barrett, entre uma e outra visita à cantina, trocavam pitacos sobre o trabalho de cada um. Influência mútua ou não, é fato que o fruto das sessões de gravação nasceu sob aura própria. Antes de mergulhar em um estranho universo sônico de letras e referências surreais, escutar o disco é passear por entre os meandros mais obscuros da consciência humana, sem compromissos com lógica ou linearidade. Das alusões astronômicas de “Interstellar Overdrive” e “Astronomy Domine” - que bem representariam a essência espacial do grupo - aos reflexos lúdicos de faixas como “The Gnome”, “Lucifer Sam” e “Bike”, tão pueris quanto perturbadoras. Ou os flertes literatos ao capítulo 24 (Fu) do I-Ching, em “Chapter 24”. Literatura, que , aliás, serviu também como inspiração ao título do álbum, retirado de "The Wind in the Willows", clássico de Kenneth Grahame.

Se à época “The Piper...” foi recebido com certa dose de “pé atrás” por conta do experimentalismo, o tempo foi pródigo em colocar os pingos nos “is”. O passar dos dias, no entanto, não foi tão complacente com o líder do Floyd. Os excessos químicos o fizeram entrar em parafuso, custando a sanidade e o emprego, que caiu no colo de David Gilmour. Quase como penitência ao homem que deu luz à suas reputações, Gilmour, Waters e Wright ainda produziriam e tocariam nos álbuns “The Madcap Laughs” e “Barrett”, ambos de 70. Mas os esforços pouco surtiram efeito, a carreira-solo de Syd nunca deslanchou. Terminou isolado do meio artístico por trinta e quatro anos até a morte, em julho do ano passado. Provavelmente sem ter idéia da extensão de sua criação. Ainda hoje, o frescor arrojado do disco de 67 ecoa sem amarras em estilos ou tradições. Sem ele, entrando no campo errático do “se”, não é exagero vislumbrar com maus olhos o que seria do rock progressivo, de David Bowie, Sonic Youth, Violeta de Outono, Flaming Lips ou, claro, do próprio Pink Floyd, que por tempos se esforçou em pagar ao mentor o devido tributo.

Pink Floyd - The Piper At Gates Of Dawn

1. Astronomy Domine
2. Lucifer Sam
3. Matilda Mother
4. Flaming
5. Pow R. Toc H.
6. Take Up Thy Stethoscope and Walk
7. Interstellar Overdrive
8. The Gnome
9. Chapter 24
10. Scarecrow
11. Bike

http://www.mediafire.com/?ezamhtygzzj



Leonardo Rodrigues

3 comentários:

Pedro Grossi disse...

Que época produtiva! Como a gente involuiu de lá pra cá...

Unknown disse...

Será que ele usava drogas?

Anônimo disse...

Será?